Portugal, 25 de Outubro de 1975. Não se sabia então, mas o PREC estava precisamente a um mês do seu fim e entretanto os responsáveis da revista Tintin mostravam-se perfeitamente integrados no espírito do processo ainda em curso. No número publicado esse Sábado (o nº 23 do 8º ano) dava-se início à publicação de um pequeno texto de um senhor até então desconhecido nas páginas da revista chamado Numa Sadoul. O texto tinha o título - nada indiferente - de Asterix Esquerdista. Creio que muitos leitores, entre os quais eu me incluía, nunca haviam equacionado as aventuras e a existência de Asterix nesses termos. Divertiam apenas. Até parecia que, depois de Jean-Paul Sartre, havia um outro punhado de intelectuais gauleses que também se vinham misturar com a revolução portuguesa. Como se podia ler: Aquilo que Goscinny faz é, politicamente, muito avançado. O avanço levava Numa Sadoul a acrescentar: Dizer que Asterix é uma história de tendência direitista, o reflexo da maioria silenciosa, é um engano, um negócio chorudo para adormecer o leitor, é contribuir, alegremente, para a idiotice. Na segunda parte do texto, publicada na semana seguinte, percebia-se melhor o que Numa Sadoul preconizava: era preciso ler Asterix em profundidade. Todos os maus das histórias de Asterix eram de direita. E todos os bons eram de esquerda. Exemplo: a aventura d'O Adivinho era uma história ultra-esquerdista modelar, e o seu protagonista Prolix carregava consigo todos os defeitos do mundo, até o de ser um agente da CIA...latina. Do outro lado, Asterix (Marchais) e Obélix (Mitterrand) - não sei se Mitterrand terá apreciado este papel subalterno que Sadoul lhe atribui... - extraem a sua força da poção mágica: o programa comum. A aldeia gaulesa constitui uma célula indestrutível de fervorosos socialistas gauleses, recusando ser esmagados pelo capitalismo romano. O texto de Numa Sadoul é um disparate tão grande que merece a preservação. Só tenho pena que não se saiba quem foi o tradutor do texto, embora o suspeito principal da escolha, tradução e publicação deste texto seja Vasco Granja, responsável por muitas destas páginas intelectuais da revista Tintin naquela época e militante comunista.
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