Jeremy Corbyn tornou a vencer as eleições internas do Labour com 313 mil votos (62%) versus os 193 mil do seu rival Owen Smith. É a segunda vez em pouco mais de um ano que a liderança do partido é disputada e a vitória de Corbyn foi mais acentuada desta segunda vez, apesar do conhecido e publicitado desagrado dos seus antecessores e de uma panóplia de figuras mais mediáticas do Labour: Gordon Brown, Tony Blair, Jack Straw, David Miliband ou Alastair Campbell. De uma certa forma, Jeremy Corbyn faz lembrar Francisco Sá Carneiro e o PSD dos anos 70: tem popularidade nas bases mas é detestado pela esmagadora maioria dos parlamentares (172 em 232 parlamentares numa eleição recente). O sistema eleitoral britânico torna muito mais equívoca a importância a atribuir ao deputado ou ao aparelho partidário que o ajudou a eleger. O Guardian noticia exuberantemente a vitória de hoje, mas o jornal pró-trabalhista foi o que menos hostilidade terá mostrado desde o princípio para com o extremismo ideológico de Corbyn. O mesmo não se poderá dizer, por exemplo, de um Financial Times que escrevia: É tão simples quanto parece: Corbyn profetiza o desastre para o Labour. Mas o que me parece inédito e inesperado, como se constata pela imagem abaixo, é a atitude preocupada da revista The Economist. Há décadas que a leio e não me recordo em todos esses anos de lá ler qualquer artigo manifestando preocupação com a fraca audiência que os trabalhistas pudessem ter junto do eleitorado britânico... Talvez pelo contrário, descontando aqueles anos em que Tony Blair esteve à frente do partido. Agora a sério, sem ironia, mas também denunciando a hipocrisia (da The Economist), este mundo moderno tem destes momentos discretamente totalitários em que uma das facções políticas procura subtilmente enformar a que se lhe opõe. Ora, depois de ter visto as voltas trocadas com o Brexit, a última coisa que o establishment britânico está a precisar é de uma oposição trabalhista ideologicamente vincada, como aquela que Corbyn parece prometer. Na verdade, se os trabalhistas se radicalizarem e o eleitorado não os acompanhar nesse radicalismo, o que acontecerá é que se criará um buraco sociológico no meio, propenso a ser preenchido por uma nova formação moderada, como aconteceu com o Partido Social Democrata (SDP), que recebeu 25% dos votos nas eleições em 1983. Não há perigo: Margaret Thatcher e os conservadores não ficaram com a Câmara dos Comuns toda para eles como mostra o desenho abaixo. Só que as preocupações de que a The Economist se faz eco têm a ver com um outro cenário, acentuado pela volatilidade de que o eleitorado britânico tem dado mostras recentemente, vejam-se os casos do UKIP e do Brexit: e se os eleitores dão em gostar dos discursos ideologicamente vincados de Jeremy Corbyn? E se o Labour com Jeremy Corbyn à sua frente ganha as eleições? Aí é que entramos num dos verdadeiros pesadelos do establishment... Um pesadelo tão antigo (e tão pronto a ressurgir...) que já foi transposto para uma série de televisão intitulada A Very British Coup. Quando começou a sua ascensão dentro do Labour, eu não tinha opinião alguma sobre Jeremy Corbyn; agora, tantas lhe fazem assim à sorrelfa, que eu já nem ligo ao que ele diz, apenas torço por ele. Deixem-no ao menos ter direito a ir por uma vez a votos nem que seja para ter uma derrota eleitoral fragorosa.
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