No princípio da semana foi notícia a publicitação de um relatório que arrasa a gestão do Hospital Fernando da Fonseca a propósito do incidente do entupimento das urgências no final do ano passado. Elogie-se o facto: foi redigido num prazo razoável (sete meses), apura factos, fundamenta as causas das falhas, aponta responsáveis e formula sugestões. Entre os envolvidos não dei por que alguém tivesse tugido: por exemplo, um pedido de demissão ou uma qualquer conversa sobre a aplicação de sanções disciplinares aos que foram mais directa e severamente criticados pelo relatório. O relatório atribui a causa principal para a formação de filas de espera nas urgências que chegaram a rondar as 24 horas a uma gestão negligente – senão mesmo imbecil – dos meios humanos, dispensando-os nos momentos historicamente previsíveis em que costuma haver maior afluência às urgências. E é curioso ver como a comunicação social que acompanhou o incidente passou ao lado de explicá-lo, preferindo badalá-lo. Na TVI24 noticiava-se a 29 de Dezembro de 2014 que o Hospital Amadora-Sintra perdera a capacidade de receber mais doentes, no mesmo dia, o Observador lá fazia o frete ao governo anunciando que as urgências do Amadora-Sintra haviam voltado à normalidade. Claro que não haviam voltado a normalidade nenhuma... Dias depois, a 2 de Janeiro de 2015, a Radio Renascença noticiava que a falta de médicos continua a provocar longas horas de espera no Amadora-Sintra. A conversa descambava para a contratação de médicos tarefeiros adicionais: Médicos custam mais de 400 mil €, era um dos títulos do Correio da Manhã no dia seguinte. Fazendo o frete a um outro lóbi, à Ordem dos Médicos, o Expresso dá no dia 5 de Janeiro voz ao bastonário José Manuel Silva, que assisadamente diz que Só não foram noticiadas mais mortes, porque as famílias, provavelmente, não se aperceberam. Mas o campeão dos fretes é sempre, indiscutivelmente, o governo: no Observador de dia 8 de Janeiro lia-se que o governo ia remodelar a urgência do Hospital Amadora-Sintra, no dia seguinte era no iOnline que se ficava a saber que o mesmo hospital iria adquirir mais macas para libertar ambulâncias. Do outro lado, no dia 11 de Janeiro, era o Público que se prestava ao seu frete – antigovernamental – com um artigo de opinião (Falta de diálogo ou uma forma de governar?) sobre a questão da contratação exclusiva de empresas de médicos tarefeiros para colmatarem as falhas que se haviam acabado de verificar nas urgências. A opinião era de um outro membro da Ordem dos Médicos. Em retaliação, o ministro da Saúde toma o freio nos dentes: em 21 de Janeiro prometia ao iOnline a ampliação das urgências do Hospital Amadora-Sintra e num remate de delírio total no fim do mês (a 29 de Janeiro) uma daquelas comissões de utentes (que nunca ninguém sabe como se constituíram, quem as constitui e que representatividade têm) ajuntava-se à frente do Amadora-Sintra exigindo um novo hospital público no município de Sintra, como noticiava a Lusa.
E todo este carnaval arrastou-se noticiosamente por quase um mês, cada um puxando a brasa à sardinha que lhe interessava, só por causa de um punhado de incompetentes – a começar pelos membros da direcção do Hospital Fernando da Fonseca – que autorizaram férias e folgas sem se conseguir aperceber das consequências daquilo que assinaram num mapa de presenças do seu próprio pessoal...
Muitíssimo bem dito e explicado. Claro que os jornalistas não vêm motivos para investigar e confrontar os responsáveis com este relatório.
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