28 junho 2015

A TRISTE E A AINDA MAIS TRISTE FIGURA DOS SOCIALISTAS FRANCESES, POR SEREM SOCIALISTAS E POR SEREM FRANCESES

Completar-se-ão proximamente 75 anos de um episódio que ainda hoje divide a França. A 10 de Julho de 1940, na ressaca da derrota francesa frente à Alemanha, numa sessão conjunta (Senado e Câmara de Deputados) da sua Assembleia Nacional reunida excepcionalmente em Vichy (devido à ocupação de Paris pela Wehrmacht), os parlamentares franceses votaram esmagadoramente pela concessão de poderes constituintes ao presidente do Conselho, o Marechal Philippe Pétain. O Estado Francês, que quase todos preferem actualmente designar por regime de Vichy, teve assim uma génese perfeitamente legitimada pelas instituições da III República, algo que se torna incómodo lembrar. Desde sempre, o resultado da votação tem sido interpretado e reinterpretado das mais variadas formas, conforme as simpatias políticas do intérprete. Mas há alguns factos indesmentíveis com que os socialistas franceses se fartam de contorcer sem poder desmentir: a) que Philippe Pétain recebeu aqueles plenos poderes de uma Assembleia eleita maioritariamente composta por parlamentares considerados de esquerda; b) que os votos favoráveis contados naquela votação representavam, apesar das vicissitudes de guerra, a maioria absoluta de todos os parlamentares (569 em 907) das duas câmaras; e c) que entre os 569 votos favoráveis a Pétain havia, ainda assim, uma maioria de votos de parlamentares considerados de esquerda e centro esquerda (286), votando ao lado de colegas de direita, centro direita ou sem filiação (283). Ou seja, quem gosta de enquadrar as questões políticas na eterna dicotomia esquerda/direita vê-se neste caso aos bonés, porque a conclusão que se impõe, com clarividência retrospectiva, é que uma substancial parcela dos parlamentares ditos de esquerda da Assembleia não estavam a perceber muito bem onde é que se estavam a meter com aquela votação. O problema do colaboracionismo da França com a Alemanha ir-se-ia mostrar, desde o princípio, transversal a todo o espectro da política francesa – não haviam os comunistas do PCF, por exemplo, aceitado até às últimas consequências a assinatura do Pacto entre Hitler e Estaline?... Conclua-se o parágrafo pelo óbvio: que em Julho de 1940 não se podia votar contra Hitler e que Pétain acabaria por se apropriar dos seus poderes ditatoriais fossem quais fossem as circunstâncias. Rebata-se com outra evidência: teria sido escusado legitimar assim a entrega desses poderes.

Isso foi no passado. No presente, a respeito doutra grande assembleia e no seu artigo de ontem do Público, José Pacheco Pereira, fustiga cruelmente os socialistas europeus pelo seu comportamento actual: «[O] Partido Popular Europeu, partido de Merkel, Passos e Rajoy e (...)os socialistas colaboracionistas que são quase todos os que os acolitam.» ou então «...o poder dos partidos do PPE e seus gnomos de serviço socialista...». Mesmo moderando a linguagem, e como aconteceu há 75 anos no caso do colaboracionismo com a Alemanha, fica-nos a sensação que entre os parlamentares socialistas europeus, anda tudo a apanhar bonés na atitude comum a adoptar por eles em relação à crise grega. Ainda muito recentemente, Martin Schultz, o presidente do parlamento europeu e também a cara mais conhecida desse socialismo europeu deixou-se apanhar numa troca de galhardetes com um eurodeputado grego do Syriza com ar de avozinho (acima), de onde só pôde sair mal na fotografia. Mas, para quem pense que a outra esquerda, a comunista (dialéctica), mostrar-se-á mais lúcida na estratégia e nos princípios políticos em discussão, pode desiludir-se acompanhando o comportamento do Partido Comunista Grego (KKE) que num dia convoca uma manifestação contra a austeridade para a frente do Parlamento grego para, no dia seguinte, e lá dentro, votar contra a proposta de realização de um referendo a esse respeito. Isto deixa o caminho aberto para quem, opondo-se ao projecto dito europeu e por muito que não gostemos de os ouvir, tem discursos (aparentemente) consistentes a esse respeito – caso da Frente Nacional francesa de Marine Le Pen. O que, por sua vez, torna, finalmente, ainda mais patética a conduta dos descendentes dos parlamentares da esquerda de 10 de Julho de 1940, personalizados na figura de um Manuel Valls que apela ao governo grego para regressar às negociações (abaixo). Numa confrontação em que não sabe muito bem o que há-de fazer, Valls não recolhe autoridade para apelar seja ao que for e faz uma triste figura de si a apanhar bonés por ser socialista mas também a apanhar ainda mais bonés por ser francês.

1 comentário:

  1. Parece-me que no Parlamento Europeu já ninguém apanha bonés: só barretes!

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