01 junho 2015

A CHEGADA DOS «MARINES» AO VIETNAME


Manhã de 8 de Março de 1965. Os homens da 9ª Brigada Expedicionária dos Marines (Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos) desembarcaram na praia Nam O – Red Two no código da Operação – uma dúzia de quilómetros a sul de Da Nang, a segunda maior cidade do Vietname do Sul. Aquela apresentava-se como um desembarque anfíbio clássico, na continuidade das que haviam sido efectuadas em Guadalcanal (1942), na Normandia (1944) ou em Okinawa (1945) durante a Segunda Guerra Mundial. Aliás, num certo requinte de ironia, Nam O fora ocasionalmente emprestada pelos sul-vietnamitas aos norte-americanos para que estes ali realizassem alguns exercícios de desembarque. O daquele dia iria ser mais a sério, mas não muito mais a sério...
A Força Tarefa Anfíbia 76 partira do Japão seis semanas antes. Era composta pelos navios USS Vancouver, Union, Mount McKinley e Henrico. Neles viajavam os 3.500 homens da 9ª Brigada comandados pelo brigadeiro Frederick Karch (1917-2009), ele próprio um veterano da Segunda Guerra Mundial e de desembarques como os de Kwajalein, Saipan, Tinian ou Iwo Jima. A ideia era que a sua chegada a Da Nang coincidisse com o fim da monção. Mas nem de propósito, os últimos dias da monção desse ano foram bastante agrestes e os membros da expedição bastante sacudidos, uma experiência que o já experiente Karch descreveu como o pior tempo que alguma vez encontrara no Mar do Sul da China.
A ideia de realizar o desembarque como demonstração de força viera da própria Casa Branca – e do presidente Lyndon Johnson. Tratava-se de uma gigantesca operação de relações públicas para impressionar a opinião pública doméstica e as capitais hostis: Hanói, Pequim e Moscovo. As ordens eram para levar o assalto à praia o mais a sério possível, como se se contasse com resistência em terra, esquecendo melindres que os aliados sul-vietnamitas pudessem vir a sentir. Para o evento que Johnson concebera, só era uma pena que o tempo não colaborasse: a ondulação andava pelos 3 metros, o que dificultou os preparativos e atrasou a Hora H prevista das 07H30 para as 09H00.
Às 09H03 os homens-rãs alcançaram a praia e posicionaram-se de imediato entre a linha de palmeiras que definia o topo mais elevado da praia. Quase de imediato, 11 LVTP aproaram à praia, cada um largando os 34 homens que transportava. A seguir a esses vinham os LCM-8 de 60 toneladas e com capacidade de transportar 200 homens de cada vez. Num quarto de hora os marines haviam constituído um perímetro de segurança by the book, como aqueles que todos estamos acostumados a que apareçam nos filmes. Cerca de uma hora depois já havia 1.400 homens com armamento ligeiro em terra (repare-se como os soldados estão equipados com a M-14 e não ainda com a M-16 que se costuma associar à arma individual de combate dos GI na guerra do Vietname), seguir-se-ia o desembarque do material pesado e, apesar dos vagalhões que vinham rebentar na praia, não fora preciso accionar quaisquer planos de contingência até aí. Mas não havia plano de contingência para o que se preparava para acontecer...
A acolher os marines apareceram turmas de raparigas vietnamitas que envergonhadamente lhes penduravam colares de flores enquanto os saudavam, num cenário muito polinésio. Ao grupo de jornalistas norte-americano encarregado de cobrir o evento segundo as directivas de Johnson, juntou-se um outro de origem local, liderado pelo próprio presidente da câmara de Da Nang que, de Polaroid em punho, liderava os seus homens pelo exemplo. Num contexto mais antropologicamente local, o comité de acolhimento desenrolou cartazes onde se podiam ler (escritas em inglês) saudações aos recém-chegados: Vietnam welcomes the US Marine Corp ou Happy to welcome the Marines in defence of this free world outpost. Era uma contingência para a qual o brigadeiro Karch não se preparara. A fotografia que a LIFE publicou de si ao lado do anfitrião, o major-general Lam Quang Thi (1932-....), correu mundo, e a diferença dos sorrisos de ambos mostrava (abaixo) que o sul-vietnamita vencera aquela batalha de uma forma que deixaria decerto Sun-Tzu orgulhoso...
Estranhamente e apesar do desembarque ter sido anunciado à imprensa pelo Pentágono dois dias antes de vir a ter lugar, as autoridades civis e militares locais de Da Nang pareciam ser as únicas a estar informadas dele e a mostrarem iniciativa. O primeiro-ministro sul-vietnamita Phan Huy Quát (1908-1979) só foi informado na manhã do próprio dia 8 de Março quando um oficial norte-americano se apresentou no seu gabinete para a elaboração de um comunicado conjunto e bilingue anunciando-o publicamente – já ele estava a ter lugar. Também o próprio comandante das forças armadas norte-americanas já então estacionadas no Vietname (MACV), o general William Westmoreland (1914-2005), foi apanhado de surpresa. O que ele pedira fora um reforço de dois batalhões de fuzileiros para protecção da base aérea de Da Nang, de onde estavam a ser lançadas as operações aéreas de bombardeamento do Vietname do Norte – a Operação Rolling Thunder. Em vez disso, haviam-lhe enviado toda uma brigada e, em vez do seu envio ser discreto, como recomendara, haviam desembarcado com o maior espavento possível. A terceira pessoa desautorizada com o desembarque era o general Maxwell Taylor (1901-1987), o embaixador dos Estados Unidos em Saigão, que o desaconselhara por recear que se tornasse o veículo de um comprometimento público da administração na condução da guerra do Vietname, desresponsabilizando dela um exército sul-vietnamita nessa altura entretido a lutar entre si.
No próprio terreno os episódios bizarros acumulavam-se. Os fuzileiros viram-se inicialmente confinados a um perímetro de 20 km² em redor da base aérea de Da Nang. Quando da ocupação houve destacamentos do exército sul-vietnamita que recusaram a substituição e permaneceram onde estavam; outros, em contraste, evitaram o contacto e fugiram à aproximação dos americanos. No próprio dia da chegada destes, houve acções de combate entre soldados sul-vietnamitas e guerrilheiros vietcongs a cerca de 2 km das posições dos recém-chegados, sem que ninguém se lembrasse de solicitar a sua assistência. Devido ao facto do perímetro ocupado pelos norte-americanos se cruzar com um campo de treinos de artilharia sul-vietnamita durante os primeiros dias temeu-se que as primeiras baixas da brigada viessem a ser causadas por fogo dos aliados. Mas foi numa patrulha nocturna de três homens, em que dois deles se separaram do terceiro, que as duas primeiras baixas mortais tiveram lugar, e por fogo amigo, nem foram precisos os aliados...
Estavam muito longe de ser as primeiras baixas norte-americanas no Vietname mas, por causa do desembarque e aos olhos da opinião pública doméstica, estas pareciam ter uma legitimidade diferente. Resta acrescentar que a praia de Nam O é hoje apresentada como um local paradisíaco. Parece estar vocacionada aliás, para os amantes do surf...

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