22 julho 2019

O MAIOR ORÇAMENTO DE DEFESA DO MUNDO

Sem o grande estadão que tem acompanhado ultimamente toda a política americana, discretamente mesmo, na semana passada, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos, onde os democratas têm a maioria e com essa maioria dominada pela sua facção radical-socialista (na opinião dos seus opositores republicanos...), os 435 membros da Câmara aprovaram mesmo assim a alocação de 733 mil milhões de dólares para o orçamento de defesa para o ano fiscal de 2020. A disputa pode ter sido exuberante na aparência mas foi mínima em concreto: a administração e os republicanos pediam 750 mil milhões; os democratas reduziram a "coisa" em 17 mil milhões, um corte significativo em valor mas proporcionalmente mínimo: 2,3%. De há muito que aquilo que é gasto com a Defesa é, de longe, a maior parcela do orçamento federal dos Estados Unidos e isso torna os outros assuntos (ou deveria torná-los...) em irrelevâncias: exemplo, a famosa guerra do Muro que Trump quer construir e que o opôs ao congresso no principio do ano foi uma disputa por uns míseros 5,7 mil milhões de dólares. Ora convenhamos que, em proporção, se trata de trocos.

Aquilo que os Estados Unidos alocam à defesa é, não apenas muito, como continua a aumentar a um ritmo incompreensível. O mapa acima, com comparações internacionais entre o que cada país gasta em defesa, refere-se ao ano fiscal de 2018, e o valor consagrado à defesa pelos Estados Unidos nesse ano foi de 643 mil milhões de dólares; neste ano em curso, passou para 693 mil milhões de dólares (+7,8%) e a previsão para o próximo ano são mais 40 mil milhões de dólares (+5,8%). Ou seja, o aumento deste ano representa quase tanto quanto todo o orçamento da defesa da Alemanha de 2018 (45,7 mil milhões). E o aumento dos dois últimos anos (50 + 40 mil milhões) é superior em 43% ao orçamento da defesa da Rússia (63,1 mil milhões) de 2018. O quadro acima e comparações deste género, com os números em cima da mesa, subvertem o discurso norte-americano de que os seus aliados da NATO gastam de menos com a defesa: os Estados Unidos é que gastam demais. Alguns exercícios com os números acima demonstram-no: os Estados Unidos gastam tanto com a defesa como os 10 países somados que se seguem na lista, da China até ao Brasil; e na Europa, os quatro maiores aliados dos Estados Unidos (Reino Unido, França, Alemanha e Itália) despendem em conjunto mais do que a China e quase o triplo daquilo que é despendido pela Rússia. Outrora, quando a Royal Navy se pretendia hegemónica no mar (século XIX), ela precavia-se adoptando a política de ter um potencial de combate que se equivalesse ao do somatório das duas mais poderosas marinhas que existissem. Pela mesma lógica, os militares norte-americanos estarão preparados para combater uma ampla coligação de dez inimigos em todos os continentes! É ridículo!

Para além disso, do que se gasta, há o produto que se obtém com isso. As forças armadas dos Estados Unidos tem um historial grandioso de recursos malbaratados, para grande inveja e desespero dos seus aliados. Mais do que isso, como é comum na instituição militar, não apenas ali mas em todo o resto do Mundo, não existe uma tradição de prestação de contas, mesmo em tempo de paz. Uma auditoria gigantesca promovida há uns anos pelo Pentágono culminou num grande fiasco: custou 400 milhões de dólares e concluiu que não se podia comprovar o destino de biliões de dólares. Tipicamente, há um programa de Reconstrução do Afeganistão onde já se gastaram 126 mil milhões de dólares desde o início da invasão em 2001; a auditoria veio mostrar que não se faz nem ideia do que aconteceu a 15,5 mil milhões para lá encaminhados. É apenas uma enorme ironia que já se tenha enterrado muito mais dinheiro no Afeganistão do que na Europa ao abrigo do Plano Marshall e não haja resultados. Outra forma de apreciar o desperdício de dinheiro do Pentágono é a profusão de descoordenações e detalhes caricatos que persistem. A história das 136 bandas de música agrupando 6.500 músicos profissionais, é uma dessas histórias caricatas que se perpetua mas que parece irreformável. Para uns efectivos de 1.360.000, o número afigura-se certo para que haja uma banda de música para cada 10.000 militares!

Tão somente pelos enormes valores envolvidos os gastos com a defesa, também pela multiplicação de exemplos de má aplicação de recursos, teriam condições para ser um tema infindável da política americana. Mas não são. E é isso que é estranhíssimo, quando em comparação com o zelo como, em contraste, as propostas de índole social costuma ser escrutinadas quanto a custos e ao seu financiamento. O aumento das despesas sociais, caso daquelas com saúde e educação, são apresentadas sempre como saindo directamente do bolso do contribuinte e quem proponha aumento de despesas nesse âmbito tem que se explicar. Neste vídeo acima vemos Bernie Sanders a ser confrontado na CNN com a explicação de como é que ele financiará os planos de saúde que propõe; estaria certo, se fosse sempre assim com toda a despesa pública. Só que aqui há uns anos, o próprio secretário da Defesa (Robert Gates), perguntou pela pertinência de que os Estados Unidos possuíssem 11 grandes porta aviões, quando todos os outros grandes países não possuíam mais do que 1. A resposta do almirante da US Navy demorou poucos dias, revestida de uma certa insolência: sim, precisava dos 11 e o assunto morreu ali. Ainda hoje continuam a ser necessários os 11 porta aviões. Cada um deles custa em média 11 mil milhões de dólares, o que representa um total de 120 mil milhões de dólares em equipamento (sem contar os navios de escolta e os custos de exploração)... Mas aqui a mensagem é que os contribuintes americanos compreendem a necessidade que o seu país possua toda aquela parafernália: uns 6 porta-aviões não bastariam para assegurar a superioridade naval dos Estados Unidos por todo o Mundo? Eu confesso que não compreendo, mas eu também não sou americano.

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