29 de Junho de 1992. Há 30 anos e também diante das câmaras de TV como acontecera com Sadat do Egipto, o presidente argelino é assassinado. A Argélia daquela época é um país visivelmente bastante mais dilacerado do que o fora o Egipto depois da assinatura dos Acordos de Camp David. Sem se ter tornado num país comunista depois de 1962, o desmoronamento da União Soviética deixara a Argélia numa posição tão desamparada quanto muitos antigos satélites soviéticos. Os trinta anos precedentes tinham decorrido sob a égide de um regime militar autoritário dirigido por uma clique abrigada sob a sigla daquela que fora a Frente de Libertação Nacional (FLN) que travara a guerra de independência contra a França. A FLN da década de 1980 era uma organização decrépita e caduca como um partido comunista do Leste europeu. Quando o «ar do tempo» forçou a realização de eleições finalmente livres em Dezembro de 1991, o desagrado popular consolidou-se na votação maioritária numa Frente Islâmica de Salvação (FIS). Era conferir legitimidade democrática a uma organização que prometia que o não seria (democrática) depois de chegar ao poder. Contudo, como as eleições haviam sido organizadas à francesa (i.e., em dois turnos), o regime - agora designado ironicamente por os militares, quase como se se tratasse de uma ditadura latino-americana ou aqueles protagonistas que conduziram o nosso PREC - ainda foi a tempo de se salvar, adiando a segunda volta sine die. E é nessa fase que os militares vão buscar Mohamed Boudiaf (1919-1992) para conferir respeitabilidade a um regime em degradação. Mohamed Boudiaf fora um dos dirigentes históricos da FLN da guerra (1954-1962) e que perdera depois quando das guerras que se haviam sucedido à paz. Preso e condenado à morte em 1964, exilara-se. O que o tornava precioso para os militares em 1992 é que fora um dirigente histórico do FLN, continuara vivo e, por ter vivido afastado dos círculos do poder, não podia ser associado à corrupção que maculava o regime. O preço a pagar por este último (e importante) predicado é que Mohamed Boudiaf, ausente desde 1964, era uma pessoa desconhecida entre a esmagadora maioria dos argelinos (⅔ dos argelinos ainda não haviam nascido quando Boudiaf se exilara). Outro problema, e esse era um risco corrido por quem, por detrás das cortinas, montara a manobra, era se Boudiaf alinharia com o papel protocolar que lhe havia sido conferido, presidindo sim, mas a um Alto Conselho de Estado acabado de criar, formado por cinco pessoas. Os cinco meses e meio que decorreram entre a posse de Mohamed Boudiaf e o seu assassinato parecem indiciar que a sua conduta não decorreu de acordo com o esperado. Significativamente, o seu assassinato teve lugar durante uma reunião de quadros (vídeo abaixo), acções em que Boudiaf estaria à procura de uma via própria entre a guerra civil que se anunciava entre militares e militantes islâmicos. A acusação oficial de que terão sido estes últimos os seus assassinos resvala num certo cepticismo indiferente, conhecidas as iniciativas de Boudiaf em mostrar alguma pedagogia no combate contra a corrupção da FLN, nomeadamente tentando pegar no exemplo do seu antecessor militar Chadli Bendjedid - o que provocou um grande mau estar! O peso das suspeitas é tão grande de um lado quanto doutro. Personagem interessante, pela brevidade da sua passagem pelo poder quando conjugada com a sua falta de contemporização para com o papel que esperavam dele, Mohamed Boudiaf bem podia ter-se tornado num daqueles mitos históricos, um belo protagonista para a História Contrafactual.
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