A decisiva batalha de Midway travou-se entre 4 e 7 de Junho de 1942 em pleno centro do Oceano Pacífico. Mas a sua preparação e execução do plano (japonês) que a iria desencadear começara algum tempo antes, a 26 de Maio: a mais formidável armada da história naval japonesa largara dos portos do Japão para lançar um repto à sua rival norte-americana. Comandava pessoalmente a frota que se iria engajar na operação o almirante Yamamoto, o autor do ataque de surpresa a Pearl Harbour que, seis meses depois, comprovava que o efeito daquele ataque não tivera consequências duradouras para o exercício da supremacia naval japonesa sobre os oceanos Índico e, sobretudo, Pacífico. Ainda no mês anterior o desfecho indeciso da Batalha do Mar de Coral provara que os navios dos Estados Unidos não haviam sido corridos dos mares, o que, considerando a dimensão gigantesca das futuras frotas de guerra entretanto em construção nos estaleiros americanos, tornava imperativo o confronto naval e a destruição do inimigo, para impedir que as esquadras de hoje se juntassem com as de amanhã. E para forçar o inimigo ao confronto naval há que escolher um objectivo que se sabe que ele não cederá sem combate.
Midway é um atol solitário no centro do Pacífico norte. Originalmente, a flora reduzia-se a cardos e a fauna resumia-se a hordas incontáveis de aves marinhas. Mesmo depois de ocupada e dos aterros, a área das ilhas juntas cinge-se a seis quilómetros quadrados. Mas é o único ponto emerso no oceano em milhares de quilómetros em redor. As ilhas Havai estão a mil milhas marítimas de distância. Uma força aeronaval que a ocupe pode ameaçar continuamente a mesma base de Pearl Harbour que fora o objecto do ataque original de 7 de Dezembro de 1941. Se o Japão tivesse mais meios poderia ter conquistado facilmente Midway nessa altura. Mas não os tinha e as defesas do atol foram reforçadas nos seis meses que se seguiram. Mais do que organizados, os meios de defesa amontoavam-se. Nesses primeiros dias de Junho de 1942, há destacamentos de engenharia a alargar as três pistas de aviação e a enterrar o mais possível, para os proteger dos bombardeamentos, hangares, armazéns, aquartelamentos, depósitos de combustível, um hospital, uma central eléctrica, outra de destilação de água do mar. Entretanto a água doce está racionada e o álcool está proibido, mas o mercado negro é expediente que aparece em todo o lado... Midway tornara-se numa espécie de porta-aviões inafundável mas estático, onde se concentravam 130 aviões - mas de 8 tipos diferentes e oriundos de três ramos diferentes: Marinha, Fuzileiros e Força Aérea do Exército.
Mas no grande quadro do que é decisivo para o desfecho das batalhas e ignorado pelos japoneses, os norte-americanos possuíam uma enorme vantagem: sabiam das intenções do inimigo. Fazia anos que haviam quebrado o código japonês e conseguiam ler as suas comunicações. E quando as intercepções não eram esclarecedoras, havia expedientes a que podiam recorrer. Neste caso, sabia-se dos grandes preparativos da armada de Yamamoto mas não se sabia qual era o seu objectivo, sempre mencionado cripticamente por AF. Então os serviços de cifra norte-americanos mandaram cada um dos objectivos prováveis enviar uma mensagem falsa, não cifrada, mas identificativa de origem. No caso de Midway o pretexto era o aparelho de destilação que se avariara. No dia seguinte, as informações interceptadas aos japoneses davam conta que AF estava com falta de água doce... Ao contrário do que acontecera em Pearl Harbour, ao comandante de Midway, o capitão-de-fragata Cyril Simard (abaixo), chegou antecipada e prestimosamente a informação de que iria ser atacado a 4 de Junho... Ao mesmo tempo, e em completa sintonia com os desejos do almirante Yamamoto, o seu oponente Nimitz formara e encaminhara para as proximidades de Midway a maior esquadra aeronaval que a US Navy conseguira reunir.
A batalha começou assim envolvida por uma evidente assimetria entre os contendores: enquanto os japoneses estavam concentrados em derrotar as forças norte-americanas de Midway, esperando com isso atrair (e derrotar) a esquadra inimiga (o objectivo último da expedição), os norte-americanos só estavam à procura dos japoneses para lhes assestar o golpe inicial e decisivo, uma tarefa que, soando simples nos propósitos, era muito mais complicada do que aquilo que poderá parecer à primeira vista na implementação, considerada a imensidão do oceano e a multiplicação de rotas que os japoneses poderiam adoptar para chegar a Midway - e essas opções tácticas já não estavam ao alcance da descodificação dos seus serviços de intercepção. O ataque aéreo japonês começou de madrugada. O radar instalado na ilha já não permite a repetição de surpresas como as de Pearl Harbour. São mais de 100 aviões que atacam Midway dos quais 1/3 são caças Mitsubishi Zero (abaixo), à época muito superiores a quaisquer oponentes que os Estados Unidos pudessem apresentar. Dos 26 pilotos das esquadrilhas algo compósitas que descolaram para os enfrentar, apenas 9 puderam obedecer à ordem surgida vinte e cinco minutos para aterrar e reabastecer. E desses, só 2 trazem um aparelho operacional para voltar a descolar. Foi a hecatombe da aviação de Midway.
E no entanto, os estragos provocados pelos bombardeamentos aos alvos em terra, ainda que parecendo importantes, não se afiguram ter tido grande efeito na moral dos defensores, o fogo das anti-aéreas continua a causar baixas entre os atacantes, é o próprio oficial piloto aviador que comanda a vaga atacante, o primeiro-tenente Tomonaga que, ao regressar com 10 aparelhos a menos, se faz preceder por uma mensagem: «Necessário segundo ataque». Será uma sugestão crucial para o desfecho da batalha. Porque as esquadrilhas de bombardeio que o comando japonês mantivera até aí em reserva para a eventualidade de ter que as activar contra uma esquadra norte-americana, vai agora reconvertê-las com armamento para ataque ao solo (é distinto do armamento anti-navio). Estavam os quatro porta-aviões japoneses nessas funções logísticas de reequipar os aviões a bordo e recolher os que haviam participado no ataque a Midway, quando começaram a chegar as primeiras informações dos seus aviões batedores de que havia uma esquadra norte-americana por perto. E que esquadra! Os norte-americanos haviam concentrado ali todo o poder aeronaval que haviam podido arrebanhar - três porta-aviões e 232 aviões versus os quatro porta-aviões e 248 aviões dos japoneses.
Mas, por essa altura, os japoneses ainda não haviam descoberto a dimensão da ameaça que impendia sobre eles mas estavam, apesar de tudo, apreensivos porque haviam sido apanhados impreparados para a eventualidade de enfrentarem uma esquadra inimiga. E a doutrina da guerra aeronaval (agora complementada com a experiência da batalha do Mar de Coral) mostrava a vantagem de quem se apropriasse da iniciativa e assestasse o primeiro golpe sobre os navios adversários. Desde as 07H00 da manhã que os porta-aviões norte-americanos estavam a lançar as suas esquadrilhas. Algumas dessas esquadrilhas perderam-se no mar e perderam-se para a batalha, nunca chegaram a encontrar a esquadra japonesa, outras houve que foram apanhadas pelo fogo anti-aéreo dos navios nipónicos e pelos Zeros que os defendiam em altitude e foram devastadas: dos 41 aviões torpedeiros engajados apenas 5 sobreviveram para regressar aos porta-aviões de origem. E no entanto, por terem assumido a iniciativa e atacado primeiro os porta-aviões japoneses, os norte-americanos só precisavam de ter o seu momento de sorte. E tiveram-no, cerca das 10H30 da manhã, quando os bombardeiros Dauntless (acima) chegaram e os japoneses ainda estavam preocupados em avaliar as baixas do ataque anterior (dos aviões torpedeiros). Em escassos cinco minutos aqueles bombardeiros de mergulho atingiam três porta-aviões japoneses e tornavam-nos inoperacionais...
Nesses cinco minutos a batalha ficara decidida. Do ponto de vista aeronaval, que era o que contava, já que os navios dos dois lados nunca se chegaram a aproximar, a grandiosa armada japonesa perdera num momento 3/4 da sua capacidade ofensiva. Perdera até a capacidade de dar a devida cobertura aérea à operação secundária de desembarque e conquista do atol de Midway. Aquilo que a Marinha imperial podia fazer - e fez - era retaliar com os aviões do porta-aviões sobrevivente, atacando por sua vez os porta-aviões do adversário. E os norte-americanos fizeram o mesmo. Perdido o efeito da surpresa os resultados dos ataques aéreos do resto do dia nivelaram-se: os japoneses afundaram um dos porta-aviões americanos e estes afundaram o último porta-aviões japonês. No final do dia 4 de Junho, a contabilidade das perdas (4-1) não oferecia quaisquer dúvidas quanto ao desfecho da batalha. E, embora desconfie que não houvesse pessoa alguma naquela época que possuísse o sangue frio e o distanciamento para analisar o problema dessa maneira, o desfecho do conflito entre o Japão e os Estados Unidos, que começara tão apenas seis meses antes, parecia selado. Como o almirante Yamamoto muito bem sabia, a paridade táctica entre os beligerantes não era acompanhada por uma paridade estratégica - os meios de combate que os Estados Unidos poderiam vir a produzir no futuro, mesmo com o país engajado numa outra guerra na Europa, eram incomensuravelmente superiores aos que o Japão poderia mobilizar. No limite, os Estados Unidos poder-se-iam dar ao luxo de perder a batalha de Midway sem que isso comprometesse o desfecho da guerra; o Japão, não, o Japão estava obrigado a vencer aquela e todas as grandes batalhas em que se empenhasse.
Há um exercício que se designa por história contrafactual que consiste em imaginar como teria sido a História se os acontecimentos não tivessem decorrido como ocorreram (vejam-se os exemplos sugeridos pelas capas dos livros acima). Imaginar um desfecho alternativo para a batalha de Midway costuma ser um dos favoritos para esses exercícios. Neles, as consequências da hipotética derrota dos norte-americanos em Midway costumam ser hipertrofiadas, arrastando consigo a perda não apenas do atol, mas também das próprias ilhas Havai (o que é muito contestável, dado que, como vimos, o Havai está a mil milhas náuticas de distância de Midway). Mas o que me parece errado numa grande parte dessas análises é que elas se dispersam pelos pormenores. Teria a vitória japonesa em Midway afectado a capacidade norte-americana de produção de meios de combate? Não, mesmo considerando a perda das ilha Havai. Teria a vitória japonesa em Midway afectado o ânimo e a determinação moral do povo norte-americano em prosseguir a guerra? Muito provavelmente não, quando se recorda a forma como esse povo encarava o processo (traiçoeiro) pelo qual fora arrastado para o conflito. É evidente que, do ponto de vista dos acontecimentos, ele teria que ter decorrido de outra forma, com um outro calendário, a guerra a terminar em 1946, 1947, talvez depois, mas o desfecho nunca seria diferente. Aliás, a História dá-nos lições preciosas e dificilmente poderemos encontrar derrota mais arrasadora do que a dos romanos na batalha de Canas (216 a.C.); mas no entanto foram os romanos e não os cartagineses que saíram vencedoras da Segunda Guerra Púnica.
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