Uma típica página do Diário de Lisboa com a crítica de televisão de Mário Castrim (à direita) numa das edições de Abril de 1977. As simpatias comunistas do autor eram conhecidas e os encómios endereçados ao serão teatral do dia anterior eram mais do que expectáveis, dado que a peça escolhida - baptizada de Escritório na versão portuguesa - era de origem checoslovaca. Ora era sabido que, para Castrim, todos os programas que fossem transmitidos pela RTP e que tivessem origem ou inspiração em qualquer um dos países socialistas (comunistas) era sempre excelentes! E uma peça checoslovaca não iria constituir uma excepção a esse axioma do marxismo-leninismo. Aborrecido mesmo para que o texto fosse ortodoxo era a identidade do dramaturgo: chamava-se Václav Havel... que há de vir a ser muito mais conhecido dali por uns 12 anos, quando vier a ser eleito o presidente da Checoslováquia e depois da nova República Checa. Mas nessa primavera de 1977 ainda ele estava do outro lado, do lado dos perseguidos políticos, destacando-se somente como um dos subscritores principais de um documento de protesto contra as liberdades políticas na Checoslováquia. Conhecido por Carta 77, esse documento fora publicitado (apenas) na comunicação social ocidental em 6 de Janeiro de 1977, três meses antes desta crónica, e congregara as atenções das opiniões públicas para a situação interna na Checoslováquia, oito anos e meio depois da invasão do país pelos soviéticos. Os signatários da Carta 77 foram perseguidos, a meia dúzia de cabecilhas (incluindo Havel) julgados e condenados a penas de prisão. Adivinhe-se o que Castrim, que adorava deambular discorrendo pelos temas associados com as mais amplas liberdades democráticas, escreveu nesta altura a respeito de Havel e da Carta 77? Precisamente: nada. A obtusidade política selectiva é doença para a qual ainda não se descobriu vacina.
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