09 junho 2014

O CULTO DA PERSONALIDADE

Esta fotografia do russo Vladimir Sichov captada em 1974, ainda nos tempos da União Soviética, parece demonstrar como o culto de personalidade por Estaline estava muito mais arreigado entre o povo soviético do que aquilo que o regime estaria disposto a reconhecer. Também mostra quanto, comparativamente e por se tratar quase da mesma época, o culto de personalidade que então em Portugal se dedicava a Salazar e denunciado por todos os oposicionistas portugueses (incluindo os comunistas…) não passava de uma brincadeira de meninos. Com o nome de Salazar havia as ruas, as avenidas, as pontes e cidades oficialmente baptizadas em sua homenagem mas, apesar de ninguém os reprimir, não se veriam muitos apaniguados dedicados (…se algum), exibindo tatuagens ao peito com a efigie do velho de Santa Comba Dão…
Quem conhece a História do marxismo-leninismo conhece a importância do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (Fevereiro de 1956), e das denúncias nele produzidas pelo hoje famoso discurso de Nikita Khrushchov Sobre o Culto de Personalidade e as suas consequências. O congresso impôs uma nova expressão à ortodoxia marxista-leninista, desestalinização, e uma progressiva realização de congressos por parte de todos os outros partidos satélites, para se actualizarem. A desestalinização serviu de argumento e de instrumento para vários acertos de contas internos dentro de cada partido comunista. Mas percebe-se hoje que houve partidos em que a questão da rectificação do culto da personalidade do dirigente supremo acabou claramente derrotada: na China e com Mao Zedong, o assunto veio mesmo a adquirir uma relevância mundial pela cisão que veio a provocar no movimento comunista.
No pequeno partido comunista português, a viver então na clandestinidade, o impacto dessa resistência foi necessariamente menos visível. Aliás, quando se realizou o congresso (VI) onde Álvaro Cunhal recuperou as rédeas ideológicas do PCP depois dos seus anos de prisão, congresso que teve lugar em Kiev em Setembro de 1965, já Nikita Khrushchov, o grande paladino contra o culto de personalidade, fora afastado do seu cargo de dirigente supremo soviético (Outubro de 1964). Ao contrário do que acontecera com Mao, Álvaro Cunhal já não se posicionava nesse momento contra a ortodoxia vigente ao recuperar o valor de um certo culto de personalidade e, também ao contrário de Mao, também o estilo da sua personalidade que ele apreciaria cultivar nada tinha da exuberância do grande timoneiro chinês (acima). À portuguesa, num recolhimento misterioso eivado de uma falsa modéstia, Álvaro Cunhal veio a tolerar um estilo que era paradoxalmente (ou não...) muito semelhante ao praticado com António Salazar.
Desde a fotografia acima, à esquerda, de Alfredo Cunha em 1974, onde um subtil jogo de luzes o destaca da fileira que engloba os restantes dirigentes comunistas (como se, em plena ironia Orwelliana, eles fossem todos iguais mas Cunhal fosse mais igual que os outros…), à outra, da direita em 1990, por ocasião do XIII congresso extraordinário (quando o PCP realizou uma cuidadosa inflexão política de 360º), onde o centro da atenção da foto consegue ser o lugar vazio de Cunhal na mesa da direcção, o cuidado com a imagem do secretário-geral do PCP foi uma constante sem que, por exemplo, o víssemos exposto num cartaz em 20 anos de protagonismo, como aconteceu com qualquer dos seus rivais: Soares, Sá Carneiro ou Freitas do Amaral ou mesmo camaradas. Mas quando vejo esta reemergência tardia do culto à sua pessoa (abaixo), um culto agora acéfalo porque os seus discípulos já não compreendem a sua essência, arrepia-me pensar retrospectivamente quantas ruas, avenidas, pontes e povoações teriam recebido o nome de Cunhal se eles tivessem ganho em 25 de Novembro de 1975…

2 comentários:

  1. O processo de dar nomes a ruas já se iniciou, pois em Matosinhos (freguesia de Senhora da Hora) foi recentemente inaugurada a Praceta Álvaro Cunhal.

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  2. Esses são exemplos que considero perfeitamente expectáveis. A maioria dos políticos de nomeada do regime emprestam o nome, depois de mortos, a umas ruas, umas avenidas, umas praças - Maria de Lurdes Pintassilgo, Mota Pinto, Lucas Pires, etc.

    Noutro campeonato, o grande contemplado por essas paragens é mesmo Sá Carneiro que, além de dar o nome ao aeroporto, foi dar nome à Praça Velasquez no Porto, baptismo a que quase todos os antigos fazem pedantemente questão de resistir, designando-a pelo nome de origem.

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