26 junho 2014

A HISTÓRIA QUE UMA PRIMEIRA PÁGINA DE JORNAL NOS PODE CONTAR


A forma, frequentemente exagerada, como os jornalistas qualificam de histórico aquilo que estão a relatar, deviam levar-nos a obrigá-los a revisitar o passado para que modestamente reconhecessem como, por vezes, a História lhes passa à frente do nariz e eles nem a cheiram, outras vezes proclamam como tal episódios que não passam de fait-divers, ou então, numa ironia ainda mais carregada, quando qualificam como históricos episódios que o virão a ser mas não propriamente pelas causas por eles publicadas. Este último foi o caso do Acordo de Munique, firmado por Neville Chamberlain e Adolf Hitler em 29 de Setembro de 1938, para uma resolução da Crise dos Sudetas que passou pelo desmembramento da Checoslováquia. E, contudo, o primeiro-ministro britânico parece ter regressado a Londres visivelmente satisfeito.
Além de um entusiástico e espontâneo comité de recepção à sua chegada no aeroporto, onde as câmaras de filmar estavam prontas para captar o seu depoimento devidamente encenado com a exibição da carta (mais acima), a espontaneidade mudou-se à noite para Downing Street para a porta do nº10, residência oficial do primeiro-ministro, de uma janela da qual ele pronunciou novo discurso, desta vez incluindo a frase que se tornará emblemática da sua ingenuidade quanto às verdadeiras intenções de Adolf Hitler: «I believe it is peace for our time” (Acredito que é a paz para o nosso tempo). Mas o que é interessante é que vejamos aquilo que publicava o Daily Herald, um jornal arreigadamente trabalhista – e portanto adverso a Chamberlain – hoje desaparecido, na sua primeira página do dia seguinte, 1 de Outubro.
O destaque dos títulos é compartilhado entre a angústia que grassa em Praga (Prague’s day of sorrow) e uma indisfarçável satisfação com o desfecho da crise, citando a famosa frase do primeiro-ministro (Mr. Chamberalin declares “It is peace for our time”). No meio dos dois títulos, uma daquelas informações que parecem concebidas para tranquilizar a opinião pública num momento delicado, mas que depois nunca se concretizam: anunciava-se o envio de 5.000 soldados britânicos para os Sudetas, como se os britânicos ainda possuíssem um direito de supervisão do que não passava de um negócio fechado. Do lado direito da página, uma nota sórdida adicional: a Polónia aproveitava a debilidade dos checos para anexar a cidade de Český Těšín e seus arredores. Se o que ali se pode ler é história, é uma história mal contada

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