19 fevereiro 2014

A EUROPA DE CIMA, APESAR DOS EUROPEUS DE BAIXO

Mais do que a tão evocada perturbação da harmonia da circulação económica de pessoas e bens dentro do espaço europeu, o que os impertinentes referendos suíços sobre temas interditos poderão ter de aborrecido é o efeito de contágio aos países da vizinhança. Desde a Primavera dos Povos de 1848 que o fenómeno é conhecido e temido pelos defensores do establishment. Sondagens efectuadas na Alemanha parecem mostrar: a) Que uma franca maioria dos alemães (72% contra 23%, segundo o Bild) se mostra favorável à realização de um referendo semelhante ao que teve lugar na Suíça; b) Que também na Alemanha, com 48% a favor da limitação da entrada de imigrantes e 46% contra (segundo a Deutsche Welle), a opinião pública se encontra muito dividida quanto à questão referendada na Suíça. Já se sabia o quanto era inconveniente andar a perguntar aos povos das bordas o que eles pensam da Europa, descobre-se agora que, se calhar, também talvez o único aspecto genuinamente germânico que ainda perdure do tal de Ideal Europeu seja mesmo só a letra da Ode à Alegria

Adenda em jeito de uma espécie de actualização de A Quinta dos Animais e inspirando-se no cartaz acima: O que os alemães genuína e intimamente parecem desejar é tratar-nos como as ovelhinhas brancas tratam a preta, expulsando-as(nos) do redil dos aspirantes a estados sociais confortáveis. O problema, para o pastor (essencial para toda a história embora não apareça no cartaz…), é que no dia em que isso acontecer torna-se muito provável que as ovelhas pretas deixem de contribuir com leite e lã para a economia da quinta. Não só a produção da quinta se vai ressentir como se corre até o risco de que as ovelhas pretas deixem de obedecer aos cães-pastores, apesar de não se organizarem referendos. O dilema dos proprietários da quinta é que as ovelhas brancas, como todas as ovelhas das sátiras políticas, são obtusas e não percebem o conceito económico das economias de escala de uma quinta nem a inconveniência política de irritar as ovelhas negras até ao limiar de elas preferirem regressar ao estado selvagem. Esta história não vai ter nem final feliz nem sequer pedagógico (ao contrário do da obra de George Orwell): quando as ovelhas pretas deixarem de dar lã e leite (para tentarem abater os cento e tal por cento do PIB), o pastor vai deixar as ovelhas brancas fazer a sua vontade.

2 comentários:

  1. Perguntas inconvenientes porque expoem verdades extremamente inconvenientes - exacto.

    E que o referendo da Suica suscita perplexidades ate nos doutrinados media:

    "Todos os indicadores mostram que a abertura da Suíça à UE tem saldo positivo. O desemprego manteve-se perto dos 3% - está em 3,4% para o conjunto da população e em 2% para os suíços de origem –, os salários cresceram em média 0,6% desde 2002 (mais do que no período anterior) e a economia do país nunca parou de crescer acima da média europeia, com estimativas de um crescimento de 2% para 2014. Mais de metade das exportações suíças vão para o mercado único. Quando a livre circulação entrou em vigor, há 12 anos, a Suíça tinha 20% de imigrantes, hoje são 23,5% (e 22% da força de trabalho) numa população de oito milhões. Italianos e alemães são os maiores grupos, com perto de 291 mil e 284 mil pessoas. A seguir, estão os portugueses, que são quase 240 mil. E os suíços, certa ou erradamente, temem que os recém-chegados estejam a mudar o seu país e a sua qualidade de vida para pior.»

    reportagem de Sofia Lorena (Público de 9 de Fevereiro)

    Se a Suica esta numa situacao muito melhor que a UE, se o terreno socio-economico Suico e muito menos propicio a discursos nacionalistas do que, por exemplo, uma Grecia ou Franca, entao como e que o referendo deu o que deu?

    Pois e, o problema e que provavelmente os Suicos (cercados por todos os lados por "esta" Europa como bem expos num outro texto) estao a olhar para o futuro da Europa, sem palas ideologicas, e a fazer o necessario 2+2. Tocam o alarme e fecham os portoes da cidadela antes da cheia.

    A UE esta em perigo real e incremental com o passar do tempo de colapso. Ja esteve a beira do colapso com as eleicoes gregas e com a escalada das taxas de juro em Espanha, Italia e Franca. Esses picos de instabilidade foram resolvidos "in extremis" mas crise subjacente que os propiciou permanece e permanecera porque a crise nao e defeito e sim feitio desta UE.
    A situacao permanece numa espiral de instabilidade crescente.

    As crises no horizonte da UE aumentaram, nao diminuiram nestes ultimos 5 anos de pos-crise sub-prime.

    A verdade e que a UE e cada vez mais vista como uma instituicao de instabilidade e de ameaca e repressao sobre os Estados que orbitam na sua esfera de influencia.
    Atente-se ao debate na Islandia, ou mesmo na Noroega.
    Atente-se aos debates individuais em cada um dos Estados-Membros. E impressionante como os actuais arranjos institucionais conseguem deixar todos, mas todos insatisfeitos - ate os alemaes, pelos mais variados motivos.
    A UE, como esta, nao tem futuro, sinceramente, estou muito surpreendido por ainda ter presente.
    Os Suicos, e o povo, as populacoes em geral nao sao parvos. E por isso e que os referendos sao tao inconvenientes.

    Desculpas pela toalha de texto.

    ResponderEliminar
  2. Não tem por que pedir desculpa. Já nestas caixas de comentários critiquei ideias pelo conteúdo (...) mas raramente o terei feito pela extensão como foram apresentadas.

    Cada ideia terá a dimensão que o proprietário lhe quiser dar - de zero a mais infinito.

    Se quer que lhe diga, o que me intriga é o género e densidade de ideias que se podem transmitir em meios como o twitter.

    ResponderEliminar