24 setembro 2021

MANIFESTOS EM DEFESA DE UM JORNALISMO QUE NÃO PRECISA DE DEFESA

Há duas passagens neste manifesto em defesa do jornalismo, publicado hoje no Público e escrito pelo seu director, Manuel Carvalho, que me merecem um comentário. O primeiro comentário é para registar a descoberta que Manuel Carvalho compartilha comigo a opinião que Paulo de Morais é uma daqueles comentadores que tem vindo a manter uma ressonância mediática despropositada para a consequência do seu discurso anti-corrupção («...a descrever o país como um pântano de corrupção sem nunca ter divulgado um só caso em concreto.»). O que lhe ficará mal (a Carvalho) é só agora o confessar, nas circunstâncias em que o faz, assumidamente por o descobrir (a Morais) como um subscritor de um manifesto que contesta o jornal que dirige. Abaixo, voltaremos ao assunto. O outro comentário será a respeito da evocação que faz à condição de «único jornal do país com um provedor do Leitor e um Conselho de Leitores (desactivado desde o início da pandemia)», quando eu, ainda muito recentemente tive oportunidade de experimentar, em primeira mão e na prática, o provedor do Leitor. E porque não fiquei fã, também gostaria de elaborar sobre algumas causas pelas quais acho que Manuel Carvalho não tem nada que se orgulhar.
Mas comecemos pela figura algo caricatural de Paulo de Morais que, na sua postura rígida, me parece um boneco da playmobil, penteado e tudo, e que, apesar disso, se tornou numa figura que os circuitos mediáticos acarinham na sua mecanicidade monotemática e repetitiva - corrupção, corrupção! E que, como acima o expõe Manuel Carvalho, nunca consubstanciou as acusações que distribuía com casos em concreto. Foi a votos nas presidenciais de 2016 (o que é muito mais daquilo que se pode dizer de Manuel Carvalho e de tantos outros jornalistas de opiniões vincadas). Recebeu 100 mil votos. Dá para comparar: foram menos votos do que Tino de Rãs, mas mais do que Pedro Santana Lopes (que ainda continua na carreira, apesar dos maus resultados acumulados). Foi uma justa medida do que Paulo de Morais valia e, se calhar, não teria valido a pena Manuel Carvalho bater agora mais no ceguinho. Quanto ao orgulho ostentado pela existência de um provedor do Leitor do Público, este Verão publiquei dois postes a respeito dele: um deles em que era o provedor do Leitor a queixar-se de que o próprio Manuel Carvalho o ignorava: andava há meses para lhe dar uma resposta prometida, e ainda a não deu; o outro era eu que me queixava, já que o próprio provedor do Leitor me tratava como o director do jornal o tratava a ele, esquecendo-se de responder, conforme prometera. Assim, sobre "provedor do Leitor", estes dois episódios parecem-me esclarecedores sobre o que a função representará no jornal... Porém, se eu quiser chamar a atenção para o facto de o Conselho de Leitores não funcionar («desactivado»...) há mais de ano e meio, isso seria a estocada final nas concepções líricas que Manuel Carvalho nos quer fazer crer que existem entre nas relações entre o jornal que dirige e alguns dos seus leitores.
Para estes casos em que não tenho qualquer simpatia por qualquer das partes (recordemo-las: o jornal Público e Raquel Varela), lembro-me da série Yes, Prime-Minister, e da neutralidade de Sir Bernard Woolley quando numa cena é posto perante a opção impossível de ter de escolher entre os seus dois chefes, o político (o primeiro-ministro James Hacker) e o administrativo (Sir Humphrey Appleby): «- Eu acho que qualquer dos dois sai muito bem na televisão!» Aqui, também acho que qualquer das partes sai muito mal disto tudo. Aliás, e ainda a propósito de Yes, Prime-Minister, convém esclarecer que a série, para além de o ser para os políticos e os altos funcionários públicos, também é severamente crítica para com os jornalistas. Existe aquela famosa passagem, frequentemente citada, em que é gozado o leitor-tipo de cada jornal da imprensa britânica da época (Who reads the papers?). Porém, o que costuma ser frequentemente esquecido é que o trecho começa com a observação de Appleby que «a única maneira de compreender a Imprensa é apercebermo-nos o quanto ela contemporiza com as coscuvilhices e os preconceitos dos seus leitores» (acima - The only way to understand the Press is to remember that they pander to their readers' prejudices.) Numa outra passagem é Jim Hacker que pergunta a um editor porque é que ele publicara «tais calúnias obscenas». «- Porque nos fez vender 100.000 exemplares a mais» - foi a resposta. Ao contrário do que Manuel Carvalho nos pretende convencer mais acima, estes assuntos não são para verdadeiros pregadores de moral.

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