25 julho 2021

CARTA DE ESPANHA*, ENTREGUE EM MÃO PELA UPS

Viajar pelo estrangeiro, especialmente em tempo de pandemia, é sempre enriquecedor. Depois de um pouco mais de uma semana na Andaluzia, em que me alojei em quatro estabelecimentos hoteleiros distintos, um conjunto que foi complementado por uma visita indesejada a umas urgências de um hospital, convém frisar que, quanto à importância que por ali se atribui à questão da covid, ela se pode consubstanciar no número de vezes que me solicitaram o por cá tão famoso certificado de vacinação digital: Zero. Nem sequer no hospital... Nesta era em que se tecem loas à globalização, afigura-se-me transparentemente claro que nem tudo se globaliza. O destaque das questões inerentes e decorrentes da pandemia são em Espanha uma fracção daquilo a que aqui assistimos, sobretudo se o avaliarmos pelo que é noticiado na comunicação social. Por lá, o almirante não teria sorte nenhuma em aparecer nas pantalhas, por muito que a herança do franquismo tenha lá deixado um respeito reverencial um pouco bacoco a respeito das altas patentes militares. Na comunicação social, ouvimos falar de outros assuntos, que tem a incomodativa característica de não os vermos discutidos por cá, apesar da semelhança da situação social e económica que os dois países não apenas atravessam como, sobretudo, irão atravessar no futuro. Está em curso, por exemplo, uma acesa disputa entre as comunidades espanholas quanto à repartição entre si (e com o governo central) dos fundos europeus para a recuperação depois da fase da pandemia. Eu bem sei que disputar a alocação do dinheiro não é mesma coisa que mostrar que se sabe o que se fará com ele, mas o contraste não podia ser maior com aquilo a que assistimos em Portugal onde António Costa e o seu governo passam o tempo a encher a boca com a bazuca sem que dêem mostras de fazer a mínima ideia de como a repartir e em que áreas a aplicar. Aqui a bazuca é referenciada como algo muito valioso - como se fosse um espólio sacado de Bruxelas - sem que se concretize em que consiste a valia...
Outra notícia em que descubro um Pedro Sánchez prospectivo e em busca de soluções - que contraste com a vacuidade em torno de António Costa - é numa viagem aos Estados Unidos procurando tranquilizar e captar capitais norte-americanos para o financiamento da economia espanhola. Foi uma visita semi-oficial (veja-se o cabeçalho que insiro) e Sánchez nem sequer foi à Casa Branca para se encontrar com o presidente Joe Biden e, por isso, a visita terá passado fora do radar da comunicação social norte-americana e, por arrasto, da portuguesa. Diga-se que há quem considere que a viagem foi um completo fiasco, mas o que aqui considero importante é que são estes assuntos que vejo a ser destacados na comunicação social e não as rupturas de fornecimento de vacinas ou as conclusões dos comités de sábios sobre quem vacinar. Claro que em Espanha se acompanha o ritmo de vacinação, mas não o transformaram num desígnio nacional! Suspeito que o que acontece em Portugal, nomeadamente quando ao padrão de atenções dispensada pela comunicação social, não é por acaso e não é inocente. Agora, quanto ao efeito da pandemia no quotidiano, a diferença não é grande. O uso da mascarilha (como por lá é designada) convencionou-se, com toda aquela sua ritualização acompanhada de ridículos, como as máscaras repuxadas para o pescoço e para o queixo ou o funcionarito que nos chama a atenção em voz alta para a sua falta, nuns claustros em que não estava mais ninguém e ele a uns 10 metros de nós(!). Igual. O país profundo e rural também. Parámos numa povoação de beira de estrada discreta no meio da Extremadura. Dois cafés gémeos que não devem concorrer entre si. À porta de cada um deles, destacados, autoritários, cartazes impondo a obrigatoriedade do uso de mascarilhas no estabelecimento! Lá dentro, ninguém mas mesmo ninguém as usava. O contraste com os urbanos a que estávamos acostumados, é que ali praticamente ninguém a envergava ao pescoço, ou no cotovelo ou no antebraço. Ali, ¡se cagavan en la leche, coño!
* Carta de Espanha era o título de um velho programa de televisão, com mais de cinquenta anos, quando Espanha representava algo de exótico. A referência à UPS é porque hoje praticamente ninguém envia cartas. E o filme Cast Away com Tom Hanks propiciou uma enorme publicidade à rival FedEx...

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