17 janeiro 2013

O SAHEL, AS FRONTEIRAS POLÍTICAS DE ÁFRICA E O MALI


Dividindo o continente do Atlântico ao Mar Vermelho ao longo de 5.400 km e com uma largura variável de algumas centenas de quilómetros, o Sahel constitui uma região de transição entre o deserto do Sahara e a região das savanas a Sul, que rasga completamente África. A Sul vivem tradicionalmente as populações sedentárias de pele normalmente mais escura; a Norte, as populações são tradicionalmente nómadas e têm a pele mais clara. A configuração das fronteiras políticas que foi desenhada pelas potências europeias na Conferência de Berlim (1885) reuniu-as em entidades políticas que posteriormente vieram a constituir países africanos independentes: de Oeste para Leste, a Mauritânia, o Mali, o Níger e o Chade, todos saídos da esfera da francofonia, mais o Sudão, de ascendência britânica (abaixo). Muito antes deles (desde o Século XV), o Islão tem convertido a população e a maioria, senão mesmo a esmagadora maioria dela em qualquer dos países mencionados é actualmente muçulmana. 
O que pode conferir um carácter heterogéneo à população local é o contraste histórico entre os povos sedentários mais escuros do Sul e os nómadas mais claros do Norte – sobretudo a sobranceria que, em geral, estes últimos manifestam em relação aos primeiros. Os sedentários são maioritários na Mauritânia, no Mali e no Níger. No Chade a composição é equilibrada e no Sudão os povos do Norte estão em franca maioria. Terá sido por isso que tanto no Chade como no Sudão desde o Século XIX os meridionais abraçaram o cristianismo como religião identitária. A verdade é que nos últimos 50 anos de independência qualquer daqueles países – com a notável excepção do Níger – passou por graves momentos de confrontação interna: já duas guerras civis no Chade (1965-1979/2005-2010), chegam a existir umas Forças de Libertação Africanas da Mauritânia, do Mali falar-se-á mais adiante e no Sudão ainda não se percebeu se a tensão terá terminado com a independência do Sudão do Sul em Julho de 2011.
 O aparecimento do Sudão do Sul criou um precedente que fora cuidadosamente interditado pelos próprios países africanos logo na fundação da OUA: a criação/revisão de fronteiras para além das herdadas do colonialismo (da Conferência de Berlim). Antevia-se que seria uma Caixa de Pandora de conflitos. E é: só foi preciso esperar nove meses após a independência do Sudão do Sul para que os rebeldes malianos proclamassem a do Azawad em Abril de 2012. E, se compararmos o traçado das fronteiras do putativo Azawad independente (acima) com a imagem compósita por satélite do Mali (abaixo), apercebemo-nos de como elas seguem um traçado tão natural quanto a que foi escolhida no Sudão. Este será uma descrição sucinta do enquadramento geral da situação política na região do Sahel que ajudará à compreensão do problema maliano, no qual a França acabou de se intrometer, após ter esperado debalde nove meses por uma intervenção dos países da CEDEAO, o organismo regional de integração económica e política.
A coerência política parece ter sido uma das primeiras vítimas da intervenção francesa. No Mali a França opõe-se a uma intenção de secessão que parece simétrica à que se verificou no Sudão do Sul, à qual a França não se opôs. Por outro lado, aparentemente para colher simpatias junto dos seus aliados, a França procura aproveitar-se do extremismo religioso dos rebeldes para os associar mediaticamente à Al-Qaeda. Assim como o cristianismo no Sul do Sudão, poder-se-ia argumentar que este extremismo religioso está a ser usado como elemento de unidade das populações separatistas do Norte, já que aproximadamente 90% da população maliana é muçulmana. Noutra perspectiva, poder-se-ia argumentar que à França não incomodou apoiar outros extremistas religiosos – esses porventura já não seriam jihadistas... – quando, por exemplo, do derrube do regime líbio. Contradições à parte, a França aparece aqui apostada na preservação de um status quo que, teoricamente, deveria interessar mais aos países da própria região…

4 comentários:

  1. Oi, A. Teixeira... Pode me passar teu e-mail, preciso pegar uns dados teus pq to fazendo um artigo cientifico da universidade e gostei muito do que tu escrevestes sobre o Mali, queria muito fazer citações do teu artigo, muito bom. Abraços!

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  2. Obrigado. O meu endereço é HerdeirodeAecio@hotmail.com

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  3. Há lugares no mundo que parecem falar mais que outros ainda que não ostentam imagens robustas. O Sahel pode nos parecer fraco e desprezível, mas é imperativo e forte na sua mensagem. Revela ao mundo um passado menos árido e denuncia talvez uma marcha inexorável de uma natureza que o homem não é o senhor...:)

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  4. Passei por algumas vilas no Senegal próximo à fronteira com o Mali e com a Mauritânia. Ao parar o carro, uma suntuosa amarokona, crianças, dezenas delas me cercavam. Porém, eu li nos olhos dos mais velhos que se mantinham à distância que o mundo do qual eu vim não os seduz...:)

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