Embora limitado ao mundo dos entendidos, a Guerra Fria e as guerrilhas que, à sua sombra, proliferaram pelo Mundo, também pode ser acompanhada no campo do armamento individual empunhado pelos combatentes. Já aqui fiz menção a esse aspecto técnico da História. Que, embora só interesse a alguns, ainda tem coisas para se descobrir, como aconteceu comigo recentemente, a propósito do armamento individual que equipou a guerrilha salvadorenha. A Guerra Civil de El Salvador, país da América Central, começou em 1979 e prolongou-se até à Queda do Muro e ao fim da União Soviética, em 1992. A sua erupção foi uma consequência do sucesso da Revolução Sandinista (1978-79), que conseguira depor a ditadura dos Somozas na vizinha Nicarágua, e do esforço que soviéticos e cubanos decidiram investir na América Central após isso, numa região que os Estados Unidos consideravam coutada sua, mas que também era uma região madura para revoluções por causa das gritantes injustiças sociais.
Se a referência revolucionária nicaraguenha fora um mártir histórico da revolução chamado Augusto Sandino (um líder guerrilheiro assassinado em 1934), com a organização revolucionária a denominar-se em sua homenagem Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), a inspiração tornava-se evidente em El Salvador, substituindo-se apenas o nome do mártir, agora Farabundo Martí (outro líder guerrilheiro local, assassinado em 1932) e a correspondente Frente a denominar-se, por sua vez e sem surpresa, Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Mas as semelhanças não terminavam aí: as fotografias de guerrilheiros centro-americanos que apareciam publicadas na comunicação social mostravam uma alta percentagem de mulheres combatentes (como se pode apreciar pelos exemplos que aqui se publicam) e exibindo um armamento que, contrariamente ao que acontecia com outras guerrilhas e como os entendidos podiam facilmente identificar, era normalmente de origem ocidental.
A ideia, que se revelou bem-sucedida, era a de sugerir as raízes populares da insurreição, a escassez de meios e a independência de apoios internacionais de um movimento popular que se arma apenas com o material que consegue capturar. Só vinte anos depois do fim do conflito é que vim a descobrir como ela não passava de um embuste: as FN FAL belgas, de que vemos um exemplar encostado junto à senhora que cose roupa, eram de origem cubana, vendidas por aquele país a Cuba ainda antes da ascensão de Fidel Castro ao poder (1959) conforme se identificava pelos seus números de série; quanto às M-16 norte-americanas que se vêem nas outras fotos, tinham vindo, na sua esmagadora maioria, do Vietname, que possuía milhares delas depois da sua vitória de 1975, altura em que se apoderara dos paióis sul-vietnamitas. Só por curiosidade, refira-se que, como fornecedor, Portugal também participou no conflito, vendendo alguns dos milhares de G-3 que possuía em excesso ao outro lado, ao exército salvadorenho.
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