Uma das conquistas científicas do socialismo foi a de conseguir bloquear quase totalmente as migrações transfronteiriças. Nacionalidades que antes eram conhecidas pelas suas enormes comunidades emigradas espalhadas por todo o Mundo (caso dos polacos ou dos húngaros), sofreram uma drástica redução nos fluxos entre elas e as metrópoles depois de nestas se ter passado a beneficiar das virtudes de um regime socialista. Enquanto sob ditaduras fascistas caducas como as de Portugal e Espanha, as comunidades nacionais emigradas vindas desses países aumentaram depois de 1945 em centenas de milhares nos países centrais da Europa (Alemanha, França, Benelux), a imigração oriunda dos países do Leste da Europa, como consequência do progresso do socialismo¹, praticamente estancou. O segredo do sucesso estava na forma avançada como se patrulhavam as fronteiras, que nada tinha dos métodos fascistas mas ineficazes que são descritos em obras como Cinco Dias, Cinco Noites. A Guarda Fiscal portuguesa era um instrumento de repressão enquanto deixou passar centenas de milhar a salto para França ao longo da década de 1960, enquanto os VoPos da Alemanha Democrática por essa mesma época vigiavam zelosamente a fronteira abatendo aqueles que a tentassem atravessar para a Alemanha Federal. Foi preciso esperar por 1991 para assistir à reconstituição de antigas ou à constituição de novas (caso dos ucranianos em Portugal) comunidades emigradas de nacionalidades oriundas da Europa oriental. Mas isso já não teve nada a ver com técnicas de vanguarda como se vigiam fronteiras, embora o aparecimento de dezenas de milhares de ucranianos entre nós pudesse ter sido um embaraço para os militantes de um partido que passara os 15 anos anteriores a proclamar que lá na Ucrânia é que se vivia bem…
Diga-se que o carácter científico do socialismo desenvolvera-se a tal ponto que tornara difícil até as deslocações ao exterior, mesmo que por pouco tempo. O capitalismo reaccionário fazia circular boatos falsos de defecções de cidadãos de nomeada oriundos dos países socialistas a que juntavam piadas de mau gosto, como a de perguntar o que era um quarteto de cordas? Resposta – uma orquestra sinfónica soviética depois de uma digressão no Ocidente. Tudo isso dava uma importância acrescida aos cidadãos dos países socialistas que eram obrigados a viajar para o Ocidente decadente. Tornavam-se numa espécie de embaixadores itinerantes do socialismo, que havia que preparar para resistirem às múltiplas tentações: a) do whisky capitalista que os levasse a confissões inconvenientes; b) das prostitutas capitalistas que os levassem à deserção ou à espionagem; c) dos artigos capitalistas como calças de ganga ou pornografia que os levassem ao contrabando; e d) com a consistência ideológica que os levasse a descrever quando do regresso a realidade decrépita que haviam presenciado. A raridade da sua aparição e o exotismo do seu comportamento levou a que, a pretexto do aparecimento maciço de cidadãos soviéticos no estrangeiro, se tivesse criado um trocadilho de mau gosto quando da grande visita de solidariedade à Checoslováquia no Verão de 1968: Visite a União Soviética, antes que eles venham visitar o seu país… Na realidade recordo-me que, em vez das auto-caravanas, aqueles soviéticos que faziam turismo e que o preferiam fazer em grupo costumavam aparecer em Portugal em cruzeiros turísticos em paquetes com a chaminé decorada caracteristicamente com a foice e o martelo². Quando das excursões em terra notabilizavam-se por não serem muito conversadores e por existir sempre um núcleo facilmente identificável que ainda era menos conversador do que os outros…
¹ Há que assinalar a excepção do socialismo menos científico da Jugoslávia que também teve uma enorme comunidade emigrada na Alemanha.
² De notar que o paquete da fotografia abaixo foi baptizado com o nome de Mikhail Suslov, um grande líder, um grande pândego do socialismo por mim já referido no blogue.
Talvez por ser menos "cientifico", o socialismo jugoslavo caracterizava-se, ainda em 1974, por ter maes e miudos que entravam com o maior avontade em restaurantes, para comerem e recolherem tudo aquilo que os clientes deixavam nos pratos... Alem disso, fiquei com a sensacao de que so eram empurrados porta fora porque os responsaveis dos estabelecimentos reparavam nos olhares incredulos e horrorizados de "alguns" dos poucos clientes.
ResponderEliminarQuestionados sobre como eram possiveis tais cenas, os "guias" locais que simpatica e inopinadamente sempre nos apareciam, sem que pelo seu servico nos cobrassem o que quer que fosse, respondiam que se tratava de um povo nomada (ciganos), a quem o governo ainda nao tinha conseguido convencer que aceitassem casa e emprego...