29 novembro 2012

UM GRANDE CONTENTOR DE CONVERSA FIADA

Tenho seguido a greve dos estivadores com uma crescente simpatia pela facção dos grevistas, improvável de início, que os tenho na conta daquelas classes privilegiadas como os pilotos da aviação civil, maquinistas ou controladores aéreos que exercem profissões que controlam todo um sistema e que retiram desse facto as suas recompensas sem qualquer solidariedade para com as outras classes desses mesmos sistemas. Por causa do uso político que o braço laboral do PCP (a CGTP) lhes tem dado desde sempre, tende-se a esquecer como as greves deveriam ser conflitos laborais a sério. Há que ir às virilhas dos adversários, onde lhes dói mais…

Basta evocarmos uma figura maior do sindicalismo português como Mário Nogueira para nos apercebermos como isso está esquecido: se ele convocar amanhã uma greve de professores, para além de um incómodo de relações públicas, nem se imagina o ministro Nuno Crato a queixar-se das partes por causa das consequências dessa greve. O que nos faz regressar ao assunto principal deste poste, através da referência aos ministros, àqueles pins foleiros com a bandeira nacional que eles trazem sempre na lapela, que parecem torná-los próceres do patriotismo: a greve dos estivadores e o magno embate mediático que o governo está a travar com eles.
É que a primeira cartada mediática a ser jogada contra os estivadores foi a do patriotismo. Na verdade, houve até quem se tivesse envolvido nela que não teria perdido nada em ter ficado calado. Foi o caso de Ricardo Salgado do BES, que não tem lições sobre esse assunto a dar a ninguém: ele que transfira as sedes das empresas que detém em paraísos fiscais para que elas paguem o IRC em Portugal e depois pode-se começar a conversa… A partir daí, foi um salto culpar os estivadores por contribuírem para a queda das exportações. Mas esqueceram-se que a esmagadora maioria das nossas exportações vão para a Europa e não passam pelos portos…
 
Mais, também se esqueceram do (pretenso) impacto simétrico dessa mesma greve nas importações, diminuindo-as, o que melhoraria o nosso saldo comercial. Pelos vistos, aí, os argumentos têm de mudar. Apareceram hoje com este cabeçalho: Greves dos portos vão chegar aos preços dos bens alimentares. Quer-se que concluamos que, depois de lesarem a nação, os estivadores estão a agora a preparar-se para lesar o povo… Eu creio que haverá em muitos de nós um sentimento de simpatia inata pelo Robin dos Bosques. Como disse ao princípio, a tendência só se acicata com coberturas informativas destas, de quem parece trabalhar para o Xerife de Nottingham.

3 comentários:

  1. Excelente post, mais uma vez. Convém percebermos exactamnete o que se passa, pois a barreira propagandística, tentando convencer a populaçõa da ignomínia dos estivadores, tem funcionado.

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  2. Caro Teixeira,
    O seu post tem duas partes distintas. Uma primeira com que concordo absolutamente e uma segunda em que, a meu ver, sem perda de lucidez, passa, contudo, do essêncial ao “invólucro da coisa”. Face a um problema desta magnitude, eu gostaria que a espuma do invólucro não nos impedisse de resolver o que verdadeiramente importa: a paralização dos portos em causa.
    Faço ainda uma segunda observação: O aumento das nossas exportações está a acontecer sobretudo para mercados exteriores à EU, pelo que a movimentação nos portos deveria estar a aumentar e não a diminuir… Por outro lado, o efeito simétrico nas importações, a que alude, não contribui positivamente para o saldo comercial. Dada a forte contracção do consumo, o peso das matérias primas e bens intermédios no total das importações tem vindo a aumentar significativamente, pelo que os entraves às importações nos portos acaba por agravar a dificuldade em exportar…

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