24 novembro 2012

MAURICE O COLABORACIONISTA, E OS OUTROS

No Outono de 1944, alguém aconselhou o actor e cantor Maurice Chevalier (1888-1972) a melhorar a sua imagem junto do público norte-americano, conspurcada por acusações de colaboracionismo com os alemães. É assim que aparece a sua apresentação/justificação em inglês do vídeo abaixo, que passou na altura nos cinemas de além-Atlântico e que depois veio a constar do documentário Le Chagrin et la Pitié (Tristeza e Compaixão) de 1969, que provocou uma onda de choque sobre a forma como descrevia - através de entrevistas a protagonistas - a atitude geralmente complacente dos franceses durante a ocupação alemã (1940-1944).

Olá a todos. É o vosso amigo Maurice Chevalier, a falar-vos de Paris, onde nasci. Senhoras e senhores, há algum tempo escreveu-se nos jornais e disse-se na rádio que tinha sido morto. Umas vezes que tinha morrido num acidente ferroviário, outras que tinha sido abatido pela Gestapo, outras que tinha sido abatido por patriotas (da Resistência) e finalmente que tinha sido abatido pela Milícia (colaboracionista). Como podem ver, para alguém que foi abatido tantas vezes, não estou assim tão mal.

Este preâmbulo, concebido em estilo casual de laracha, omite o pormenor que o próprio comité francês no exílio em Argel considerara Chevalier um colaboracionista notório a ponto de o ter mesmo condenado à morte. Cauteloso, quando da invasão dos Aliados em Junho de 1944, Chevalier (um parisiense...) escondera-se numa aldeia rural remota da Dordogne, a Resistência esteve quase a capturá-lo, mas Chevalier conseguiu fugir para Toulouse onde se entregou às autoridades e foi detido. Com que amigos contara para o tirar da prisão e evitar a sanção fatal é algo que hoje já se tornou impossível esclarecer…

Há uma coisa que gostava de clarificar: nos finais de 1941, uma falsa propaganda fez crer às pessoas em França e no resto do Mundo que eu tinha feito uma tournée artística na Alemanha. Durante a guerra. Durante a ocupação alemã. Tenho que dizer que é completamente mentira. Nunca fiz nenhuma tournée na Alemanha. Eu apenas aceitei ir cantar a um campo de prisioneiros na Alemanha, um campo de prisioneiros franceses onde eu próprio tinha estado na última guerra (a de 1914-18). Foi só ali que cantei numa tarde para animar a malta e não cantei em mais lado nenhum.

Nesta passagem, Maurice Chevalier é económico com a verdade quando descreve o acontecimento: esqueceu-se nomeadamente de referir que o seu concerto fora radiodifundido, tanto pela Rádio alemã como pela Rádio-Paris que era controlada pelas autoridades de ocupação alemãs em França e não podia desconhecer o valor propagandístico para a causa nazi (além do impulso dado à sua própria carreira na Europa ocupada…) dessas transmissões.

Espero que a França se recupere rapidamente e espero que, também rapidamente, possa ter oportunidade de os ver novamente, para variar. Enquanto espero, não posso deixar de pensar numa canção que eu cantava quando estive no vosso país (Estados Unidos). E a canção era mais ou menos assim… Eu não sei tocar piano, portanto desculpem-me, mas vou cantar sem acompanhamento (segue-se um pequeno trecho de Sweepin' the Clouds Away, um sucesso de Chevalier de 1930 quando ele estivera nos Estados Unidos).

Esta é uma das tentativas mais canhestras de justificação de que me lembro, considerando a elaboração dos meios à disposição do protagonista: já aqui a referi, evocando-a a propósito de uma justificação de Marcelo… à Marcelo. Mas o que verdadeiramente me incomoda nestes processos é que, quanto mais os conheço, maiores me parecem as discrepâncias de critérios deste género de julgamentos: Édith Piaf (1915-1963), que abaixo vemos numa fotografia de Agosto de 1943 diante da Porta de Brandeburgo em Berlim, foi à Alemanha cantar tantas ou mais vezes que Maurice Chevalier e dificilmente a sua carreira sobreviveria também a um escrutínio igual ao realizado ao seu colega e rival…

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