27 julho 2007

CARLOS II DE INGLATERRA (1630-1685), O REI QUE TERIA SAÍDO BEM NA TELEVISÃO

Tão forte era a tradição hereditária na sucessão dos cargos políticos na Europa do século XVII, que, por morte do Lorde Protector inglês Oliver Cromwell em 1658, os dirigentes do regime escolheram o seu filho Ricardo Cromwell para lhe suceder. Como seria provável, correu mal: o regime só funcionava se o seu principal titular e o depositário dos verdadeiros instrumentos de poder (neste caso, o exército que vencera a guerra civil) fosse o mesmo. O fraco Ricardo foi apeado.

E que tal regressar ao modelo monárquico clássico, desde que o novo rei não se comece a levar demasiado a sério? Trata-se de uma simplificação, mas uma boa parte do racional que esteve por detrás da Restauração do trono britânico em 1660, assemelhou-se a esse raciocínio. O novo soberano, filho do decapitado Carlos I (1600-1649), era o seu filho Carlos II (1630-1685), que na altura tinha trinta anos, uma idade ainda jovem, mas onde já fora ultrapassada a fase do idealismo imaturo.
Para ascender ao trono, aconselharam Carlos a emitir uma Declaração que ficou conhecida pelo nome da cidade onde então se alojava (Breda), onde, como futuro monarca, prometia aceitar a maioria das cláusulas que haviam estado na base das divergências que haviam levado à guerra civil entre seu pai e o parlamento, ao mesmo tempo que proclamava a sua intenção de contribuir para a pacificação social do reino ao comprometer-se a não perseguir as figuras do regime actual, apenas com algumas excepções.

Encarado nesta perspectiva, Carlos II é capaz de ter sido um dos reis que mais se assemelhe aos políticos actuais da boa tradição norte-americana, cheios de charme pessoal, astutos mas não muito inteligentes nem particularmente cultivados. É preciso prometer ou fazer uma proclamação? Então faça-se, depois se vê. O seu discurso ao Parlamento, no dia da sua entrada em Londres é um exemplo disso, embora não seja desprovido daquele travo de simpatia que conquista votos:
Estou tão fatigado que mal posso falar, mas quero dar-vos a conhecer uma coisa: concederei de bom grado tudo o que possa servir ao bem-estar do povo. Ou ainda: Quero reinar sobre um povo livre e governar de acordo com as leis.

E o melhor era que, se o discurso tivesse passado na televisão, Carlos teria sido credível para o auditório da Sky* (que, naquela altura, também ainda não comprava o The Sun*…) porque era genuíno quando proferia estas afirmações. Carlos II era um sujeito superficial mas bem disposto, propenso a divertir-se e a criar uma moda dessas num país muito necessitado dela, depois de uma guerra civil e de um decénio sob a tutela de puritanos religiosos, conhecidos pela sua falta de espírito de humor.

A arma secreta de Carlos II era o encanto pessoal. Um dos aspectos que pode comprovar a eficácia da arma (conjuntamente com a sua inconstância) é a extensa lista das suas amantes (dúzia e meia, considerando apenas as oficiais). Também era um procriador competente: conhecem-se uma vintena de filhos ilegítimos. Mas, já no século XVII, havia portugueses (além do Mourinho e do Cristiano Ronaldo...) que participaram de forma decisiva na evolução da história britânica...

É que nenhum dos filhos de Carlos foi legítimo, ou seja, resultante do casamento de Carlos II com a rainha, a portuguesa Catarina de Bragança (haviam casado em 1662), o que fez com que o trono passasse para o irmão de Carlos, Jaime II, com as consequências que veremos mais adiante. E poderá ser excessivo, mas não deixará de ser verdadeiro, considerar que uma boa parte das ambições de Carlos II se haviam esgotado no dia da cerimónia da sua coroação (abaixo - a nova coroa, que teve de ser reconstruída).
Paradoxalmente, foi durante o reinado de Carlos que se travaram duas das guerras mais importantes com os Países Baixos**, com o fito de saber quem iria assumir a supremacia marítima e, consequentemente, a supremacia comercial que esteve por detrás do sucesso britânico que levou o reino ao estatuto de grande potência mundial. Mas a profundidade dessas implicações estava muito para além de Carlos e, de resto, é muito provável que o mesmo acontecesse com os seus contemporâneos.

As reconstruções históricas posteriores, que dão grande significado ao dote de Catarina de Bragança, composto pelas praças portuguesas de Tânger e Bombaim, em que a segunda esteve na base da construção do Império Britânico das Índias, são uma grande estória… A verdade crua é que a monarquia portuguesa (recentemente restaurada – 1640 – como a britânica) não tinha dinheiro para mandar cantar um cego nem para dotes e conseguiu substituiu-lo por praças fortes…

Quanto à utilidade de Tânger, ela tornou-se eloquente com a decisão britânica de evacuar o donativo, 23 anos apenas depois de o terem recebido… Bombaim sempre devia render qualquer coisa (foi alugada à Companhia das Índias Orientais…) mas a opinião de Carlos sobre o valor de praças fortes, mesmo de interesse estratégico, pode-se ver pela facilidade com que Carlos vendeu a de Dunquerque a Luís XIV de França, logo em 1662, para resolver os seus problemas de tesouraria…
É que as políticas de Carlos II, não tendo uma orientação dominante ao longo do seu reinado, sempre tiveram uma carência constante: dinheiro. A divergência sobre as competências sobre a utilização dos dinheiros públicos entre o rei e o parlamento é que haviam levado à Guerra Civil que terminara com a decapitação do pai de Carlos… Era um assunto em que era preciso que Carlos II fosse cuidadoso. Mas esse seu ponto fraco fê-lo tornar-se também um joguete dos interesses de Luís XIV.

Carlos II, além de verdadeiro antepassado inspirador da figura distinta do gentleman britânico, é capaz de dever a sua sobrevivência política à percepção por parte dos verdadeiros actores do jogo (a nobreza britânica, Luís XIV, os interesses comerciais de holandeses e britânicos) das suas fraquezas e da convicção (errada) de quão fácil ele podia ser manipulado. Carlos morreu aos 55 anos e, não deixando descendência legítima, teve como sucessor (abaixo, à direita) seu irmão Jaime II (1633-1701).
Jaime mostrava ter convicções. Se não as tivesse fundas não se teria convertido ao catolicismo em 1668***, numa decisão que sabia que só lhe traria problemas na eventualidade de se vir a tornar rei – como aconteceu. Mais, as suas convicções religiosas tornaram-se no factor principal da disputa política do reino, apenas atenuadas porque as suas duas herdeiras eram protestantes. Quando lhe nasceu um filho tardio (1688), que iria ser educado como católico, Jaime foi expulso do trono.

Durante os próximos 73 anos, desde o reinado do holandês Guilherme III (1689-1702) até à coroação de Jorge III em 1761, a Grã-Bretanha e a Irlanda não voltaram a possuir um monarca que estivesse verdadeiramente interessado em governar pessoalmente os seus reinos. Assim começava a ascensão da importância do cargo de primeiro-ministro…

* A Sky é uma emissora de televisão e o The Sun um jornal, ambos conhecidos pelos seus conteúdos dirigidos ao segmento popular. São o equivalente britânico da TVI e do Correio da Manhã ou o 24 Horas.
** A Segunda e a Terceira Guerras Anglo-Holandesas (1665-67 e 1672-74).
*** Carlos II também se converteu, mas, típico nele, apenas quando estava a morrer…

1 comentário:

  1. Entre dotes, compra e venda de "praças fortes", já seria tempo de vender Olivença à Espanha!
    Legalidade acima de tudo!

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