10 julho 2007

DA ALBÂNIA PARA O PALEOLÍTICO

Um dos grandes óbices do discurso político da UDP durante o PREC (era uma organização onde militaram com destaque figuras distintas da nossa actualidade como Jorge Coelho e José Manuel Fernandes) era a resposta à pergunta sobre o partido e a sociedade que poderia melhor servir de aproximação ao projecto que pretendiam construir em Portugal: o Partido do Trabalho da Albânia! O Partido do Trabalho da Albânia?... Mesmo não tendo caído ainda o muro que nos trouxesse uns imigrantes lá da Albânia para nos contarem a sua experiência pessoal (até fominha!...), o efeito que a menção da nacionalidade da utopia causava no auditório era sempre desolador…

Hoje, o que está na moda (e os consequentes disparates) vêm de outro quadrante distinto e, embora não caindo os seus defensores na armadilha de as mencionar, as sociedades utópicas parecem vir de mais longe ainda, do passado longínquo do Paleolítico Superior, onde as pessoas na sociedade gozavam de uma liberdade que nunca mais recuperaram com o aparecimento da civilização… Há quem, pela força de arranjar rótulos, tenha chamado anarco-capitalista* a pessoas como João Miranda mas eu suspeito que será redutor chamar apenas isso a quem avança com tantas teses que – citando Pedro Arroja – julga verdadeiras e, talvez, de certo modo originais sobre as relações entre tudo e… quase tudo.

Há que atender como as soluções propostas por estes ultraliberais costumam ter uma sofisticação semelhante à do que sabemos dos clãs dos caçadores colectores do Paleolítico Superior, um modelo de sucesso aliás, pois perdurou por cerca de 30.000 anos… Estamos a falar da mesma competitividade, da mesma selectividade dos mais aptos, da mesma ausência de circulação de informação e da mesma falta de solidariedade. Peguemos no último artigo de João Miranda, por exemplo, e constatemos que no Paleolítico Superior não haveria nenhum dos problemas que ele teme que o ensino do Estado possa trazer às crianças, com todas as vantagens que uma educação livremente harmonizada aos gostos de cada clã traria…

No artigo em questão, Miranda ter-se-á esquecido de mencionar, e de resto suponho que seria desnecessário, que também haveria a vantagem de se dispensar o recurso ao chamado ensino especial: dava-se uma paulada na criança que nascera coxa porque ela não podia acompanhar o clã e esse era um problema resolvido à nascença… Os historiadores têm formulado a ideia – mas o que é que eles saberão disto, afinal? – que este modelo completamente liberal, porque se tornava apenas reactivo aos problemas correntes e fechado à circulação de informação, não era muito propenso a investigações que se traduzissem em investimentos que representassem progresso material para o conjunto dos clãs. Foram 300 séculos de estagnação.

A verdade é que os historiadores costumam apresentar uma tese muito pouco original que associa o desenvolvimento material à agricultura, ao assentamento, à organização do trabalho, à especialização, à estratificação social… e a formas gradualmente menos liberais das sociedades se organizarem, que as tornava mais numerosas, mais complexas e mais poderosas. E essas foram as primeiras civilizações de uma sequência histórica que permite provavelmente que o João Miranda escreva hoje as suas teses originais num teclado de um computador em vez de as ir exprimindo em voz alta enquanto lasca uma pedra igual às lá de cima…

No fundo, de tudo isto até poderíamos fazer do que ficou escrito uma bela utopia: afinal a Humanidade nunca passou de um grande conjunto de caçadores colectores prezando verdadeiramente a liberdade, e que se organizou pontualmente para, durante uns 5.000 anos, melhorar as suas condições materiais e que está agora em vias de regressar à sua pureza original da liberdade num patamar superior de conforto material! Eis uma tese que seja talvez, de certo modo original… Mas a originalidade não é tudo. E, contrariamente ao que creio que julgam pessoas como o João Miranda, a originalidade nem sequer é muito… Mas olhem que uma pedra lascada como emblema dos ultraliberais é uma ideia original, engraçada e apropriada!

* Ele agradeceu, Alcibíades mandou cortar o rabo ao cão e Disraeli, enquanto jovem político, quando lhe perguntavam o que queria vir a ser, respondia primeiro-ministro. Não há limites embaraçantes para a publicidade.

4 comentários:

  1. Para aplaudir de pé, em estrondosa ovação.

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  2. E eu que julgava que o liberalismo radical de João Miranda era o "caminho para o futuro". Afinal, é o regresso aos "bons velhos tempos" da Pedra Lascada.

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  3. Na UDP havia uma direcção que resultou de uma certa transferência do Estado-Maior do Kaúlza de Arriaga - o que obviava que os "iluminados" precisassem da massa para ser iluminada.

    Propunha-lhe que num dos próximos posts citasse o nosso brilhante prémio Nobel e as sua teses humanistas.

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  4. Obrigado pelo aplauso, Sofia. Contudo, tratando-se de João Miranda, agradeço que quem quiser aplaudir o faça preservando a maior liberdade possível, cada um de sua vez, nada de estrondosa ovação...

    Pode ser um "caminho para o futuro", João Pedro, basta para isso haver um daqueles apocalipses nucleares de que a ficção tanto gosta. E não dá para notar em filmes como "Mad Max" ou "Waterworld" como será um mundo perfeito, sem Estado, à maneira que o João Miranda gosta?...

    Confesso-lhe que pouco conheço de José Saramago, João Moutinho. Não sou grande leitor de ficção e não dou grande valor às decisões dos comités Nobel que escolhem os prémios da literatura e da paz. O primeiro porque é completamente subjectivo e o segundo porque é completamente político... Mas reconheço que conferem estatuto aos premiados...

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