09 julho 2007

OS DOIS DRAGÕES DE RAFAEL

A Itália do início do Século XVI era um país próspero, de exaltações extremadas como só os italianos as sabem ter. Havia os artistas para as exprimir, como Leonardo da Vinci (1452-1519), Miguel Ângelo (1475-1564) ou Rafael (1483-1520), mas sobretudo, havia a prosperidade acumulada nos soberanos para lhes pagar para produzirem as obras que hoje nos maravilham. E esses soberanos eram também gente muito interessante, como o Papa Júlio II (1443-1513), aqui pintado por Rafael, que tem um percurso político muito diferente do de avozinho reflexivo com que aparece neste retrato abaixo.
Foi um Papa que se coligou com a França, a Espanha e o Império para derrotar Veneza (1508-1510), para pouco depois refazer as alianças, reunindo-se à Espanha e a Veneza (abaixo, o retrato majestoso do Doge Loredan (1436-1521), de Giovanni Bellini) na promoção da expulsão dos franceses da península italiana (1511-1513). É que esta é também a Itália de Nicolau Maquiavel (1469-1527) e de O Príncipe, que foi escrito em 1513, mas só publicado em 1532. Tudo era muito fluído, reversível, como os preceitos que Maquiavel recomendava a Lourenço II de Médici (1492-1519), senhor de Florença.
Até as bases económicas onde assentava tanta prosperidade eram fluidas e estavam prestes a sofrer uma transformação, essa sim irreversível, quando os portugueses descobriram o caminho marítimo para a Índia em 1498 com Vasco da Gama e transferiram o grosso do tráfego comercial da Europa com o Oriente para a sua orla Atlântica, num dos primeiros episódios modernos documentados de deslocalização das empresas devido à globalização… Com os recursos financeiros a diminuirem, a dinâmica para a unidade italiana que fora criada por Júlio II extinguiu-se praticamente com ele em 1513.
Por duas vezes Rafael pintou São Jorge em luta contra o dragão e os quadros foram datados de anos consecutivos (1505 e 1506). No entanto, fruto da inspiração ou do propósito da encomenda, há um enorme contraste entre eles dois, numa espécie de metáfora de como as coisas em Itália podiam mudar subitamente. Num deles, as coisas parecem estar complicadas, com a lança partida pelo chão e a princesa angustiada ao fundo seguindo a peleja. No outro, tudo corre pelo melhor, a princesa reza, serena, e até o cavalo lança ao herói um olhar parecido com o que Jolly Jumper olharia para Lucky Luke

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