Há uma certa controvérsia associada à identidade da pessoa retratada no quadro acima, em pleno banho. A autoria do quadro é indiscutível, é de François Clouet (entre 1510 e 1515 – 1572), o pintor da Corte francesa durante os reinados de Henrique II, Francisco II e Carlos IX. Aliás, os retratos por que são mais conhecidos quaisquer dos três monarcas pertencem-lhe. Este quadro, de acordo com os peritos, é mais tardio, um dos últimos que veio a pintar um ano antes de morrer, em 1571.
O quadro tanto pode ser designado por Senhora no Banho como pel´O Banho de Diana de Poitiers, nome como o conheci originalmente e me chamou a atenção para ele. Porque a figura de Diana de Poitiers, que foi a favorita de Henrique II de França (1519-1559) tem uma daquelas histórias interessantes de ser contadas, para mais, a tomar banho... Diana nasceu em 1499 ou 1500, casou aos 16 anos com um homem que era quase 40 anos mais velho, de quem teve duas filhas. Enviuvou em 1531 e morreu em 1566.
Segundo a história, teria sido encarregue em 1530 ou 1531 pelo rei Francisco I (de quem se sussurra que fora amante) da educação do jovem príncipe Henrique, o seu segundo filho, recentemente retornado de Espanha onde estivera aprisionado por quatro anos com seu irmão, como penhor do cumprimento dos compromissos assumidos por seu pai na sequência da derrota de Pavia (1525). Com 11 ou 12 anos, o príncipe tinha um feitio muito reservado, em contraste com o do pai, mas tornou-se muito devotado à sua tutora.
Casou em 1533 com Catarina de Médicis (os dois noivos tinham 14 anos!), num casamento considerado por muitos como desigual (os Médicis eram apenas os senhores de Florença...), embora Henrique fosse apenas o segundo na sucessão, depois do seu irmão mais velho, o delfim Francisco. Só que o delfim morreu em 1536, com 19 anos e sem descendência, e o ascendente de Diana sobre o jovem Henrique, que passou a ser o novo herdeiro ao trono, tornou-se num activo político a contar para o futuro.
O ascendente de Diana passara a incidir sobre o jovem casal, que esteve dez anos sem ter filhos (o primogénito, Francisco, nasceu apenas em 1544), mas as más-línguas da Corte fizeram de Diana, 20 anos mais velha do que o príncipe, uma favorita no sentido clássico do termo de companheira sexual, num retoque de escabroso, desmentido pelos factos: sabe-se que Henrique II teve várias favoritas clássicas da sua idade ou mais novas*, de quem teve cinco filhos ilegítimos. Nada indica que fosse do género de preferir as maduras…
Considerar que a senhora desnudada que se banha no quadro de François Clouet é Diana de Poitiers pode entender-se nessa intenção de época (e sobretudo das posteriores...) de apimentar a relação entre Henrique (abaixo) e a sua tutora, em que olhos mais benignos podem ver como a de uma relação maternal com uma madrasta que Henrique sempre desejou – afinal Henrique ficou órfão de mãe aos cinco anos e esteve entre os 7 e os 11 anos aprisionado em Espanha com o irmão… Um enredo de história verdadeiramente suculenta para as explicações do Dr. Daniel Sampaio…
Quanto ao quadro em si, antes de falar da identidade da banhista, não se trata de nenhuma obra-prima da pintura europeia, mas é um quadro muito interessante. Trata-se de uma cena íntima dos aposentos de uma senhora de condição. De tronco nu e mostrando as mamas, o pintor realça a diferença entre as dela (pequenas, quase de adolescente, o que devia ser o modelo de beleza da época) com as enormes, úberes, da ama de leite que lhe alimenta o filho ou a filha. Uma outra criança (talvez o filho da ama) rapina entretanto uma peça de fruta…
Como é frequente nas pinturas da época, o autor socorre-se dos reflexos de um espelho para dar mais profundidade à cena. O espelho está colocado frontalmente e os seus reflexos mostram uma criada preparando-se para despejar água quente (sugerida pela lareira acesa) de uma vasilha, enquanto a visão da decoração da casa (que ficaria por detrás do observador) reforça a impressão de opulência. François Clouet, que, pela lógica da geometria, se devia ver no reflexo do espelho, faz-se desaparecer. A senhora, distinta e altiva, mas não por pudor, nem o encara.
Só que a senhora do quadro dificilmente poderá ser Diana de Poitiers. Diana morreu em 1566 e sabe-se que este quadro foi pintado em 1571. Para mais, como Diana era 10 a 15 anos mais velha do que Clouet e teve as suas duas filhas antes de fazer vinte anos – o que poderia ajustar-se àquelas mamas pequeninas – faria com que o quadro se referisse a um acontecimento de 50 anos atrás! Aliás, em 1571, a mulher forte da Corte francesa já não era Diana, mas sim Catarina de Médicis, a viúva de Henrique II e mãe de três reis de França**.
Regressando à verdadeira Diana, independentemente dos mexericos que faziam dela antiga amante de Henrique II como justificação para a sua influência, vale a pena dizer que os relatos são unânimes em reconhecer a forma como, apesar da idade, Diana continuava a impressionar pela sua presença distinta. Será algo que era muito valorizado na cultura francesa naquela época e, pelos vistos, continua a sê-lo na actualidade, lembremo-nos da projecção e do acolhimento da figura de Ségolène Royale…
Uma nota final sobre a morte infeliz de Henrique II em 1559, num acidente num torneio de cavalaria à boa maneira medieval, quando a lança do oponente se partiu na viseira do rei e vários dos seus fragmentos se alojaram no cérebro, através de um olho. Quando um rei de França do Século XVI, com a maturidade dos 40 anos, ainda pensa em exibir-se assim em justas medievais, há que aceitar com mais condescendência os sonhos de um seu homólogo da geração seguinte, que aos 24 ainda queria expandir o seu reino em amplas batalhas de cariz medieval: Sebastião de Portugal (1554-1578)…
* Filippa Duci (nascida em 1520, de quem teve uma filha em 1538), Louise-Marie de Léprouve (nascida em 1521, de quem teve duas filhas, nunca perfilhadas), Jane Stuart (nascida em 1520, de quem teve um filho em 1551) e Nicole de Savigny (nascida em 1535, de quem teve um filho em 1557)
** Francisco II (1544-1560), Carlos IX (1550-1574) e Henrique III (1551-1589).
O quadro tanto pode ser designado por Senhora no Banho como pel´O Banho de Diana de Poitiers, nome como o conheci originalmente e me chamou a atenção para ele. Porque a figura de Diana de Poitiers, que foi a favorita de Henrique II de França (1519-1559) tem uma daquelas histórias interessantes de ser contadas, para mais, a tomar banho... Diana nasceu em 1499 ou 1500, casou aos 16 anos com um homem que era quase 40 anos mais velho, de quem teve duas filhas. Enviuvou em 1531 e morreu em 1566.
Segundo a história, teria sido encarregue em 1530 ou 1531 pelo rei Francisco I (de quem se sussurra que fora amante) da educação do jovem príncipe Henrique, o seu segundo filho, recentemente retornado de Espanha onde estivera aprisionado por quatro anos com seu irmão, como penhor do cumprimento dos compromissos assumidos por seu pai na sequência da derrota de Pavia (1525). Com 11 ou 12 anos, o príncipe tinha um feitio muito reservado, em contraste com o do pai, mas tornou-se muito devotado à sua tutora.
Casou em 1533 com Catarina de Médicis (os dois noivos tinham 14 anos!), num casamento considerado por muitos como desigual (os Médicis eram apenas os senhores de Florença...), embora Henrique fosse apenas o segundo na sucessão, depois do seu irmão mais velho, o delfim Francisco. Só que o delfim morreu em 1536, com 19 anos e sem descendência, e o ascendente de Diana sobre o jovem Henrique, que passou a ser o novo herdeiro ao trono, tornou-se num activo político a contar para o futuro.
O ascendente de Diana passara a incidir sobre o jovem casal, que esteve dez anos sem ter filhos (o primogénito, Francisco, nasceu apenas em 1544), mas as más-línguas da Corte fizeram de Diana, 20 anos mais velha do que o príncipe, uma favorita no sentido clássico do termo de companheira sexual, num retoque de escabroso, desmentido pelos factos: sabe-se que Henrique II teve várias favoritas clássicas da sua idade ou mais novas*, de quem teve cinco filhos ilegítimos. Nada indica que fosse do género de preferir as maduras…
Considerar que a senhora desnudada que se banha no quadro de François Clouet é Diana de Poitiers pode entender-se nessa intenção de época (e sobretudo das posteriores...) de apimentar a relação entre Henrique (abaixo) e a sua tutora, em que olhos mais benignos podem ver como a de uma relação maternal com uma madrasta que Henrique sempre desejou – afinal Henrique ficou órfão de mãe aos cinco anos e esteve entre os 7 e os 11 anos aprisionado em Espanha com o irmão… Um enredo de história verdadeiramente suculenta para as explicações do Dr. Daniel Sampaio…
Quanto ao quadro em si, antes de falar da identidade da banhista, não se trata de nenhuma obra-prima da pintura europeia, mas é um quadro muito interessante. Trata-se de uma cena íntima dos aposentos de uma senhora de condição. De tronco nu e mostrando as mamas, o pintor realça a diferença entre as dela (pequenas, quase de adolescente, o que devia ser o modelo de beleza da época) com as enormes, úberes, da ama de leite que lhe alimenta o filho ou a filha. Uma outra criança (talvez o filho da ama) rapina entretanto uma peça de fruta…
Como é frequente nas pinturas da época, o autor socorre-se dos reflexos de um espelho para dar mais profundidade à cena. O espelho está colocado frontalmente e os seus reflexos mostram uma criada preparando-se para despejar água quente (sugerida pela lareira acesa) de uma vasilha, enquanto a visão da decoração da casa (que ficaria por detrás do observador) reforça a impressão de opulência. François Clouet, que, pela lógica da geometria, se devia ver no reflexo do espelho, faz-se desaparecer. A senhora, distinta e altiva, mas não por pudor, nem o encara.
Só que a senhora do quadro dificilmente poderá ser Diana de Poitiers. Diana morreu em 1566 e sabe-se que este quadro foi pintado em 1571. Para mais, como Diana era 10 a 15 anos mais velha do que Clouet e teve as suas duas filhas antes de fazer vinte anos – o que poderia ajustar-se àquelas mamas pequeninas – faria com que o quadro se referisse a um acontecimento de 50 anos atrás! Aliás, em 1571, a mulher forte da Corte francesa já não era Diana, mas sim Catarina de Médicis, a viúva de Henrique II e mãe de três reis de França**.
Regressando à verdadeira Diana, independentemente dos mexericos que faziam dela antiga amante de Henrique II como justificação para a sua influência, vale a pena dizer que os relatos são unânimes em reconhecer a forma como, apesar da idade, Diana continuava a impressionar pela sua presença distinta. Será algo que era muito valorizado na cultura francesa naquela época e, pelos vistos, continua a sê-lo na actualidade, lembremo-nos da projecção e do acolhimento da figura de Ségolène Royale…
Uma nota final sobre a morte infeliz de Henrique II em 1559, num acidente num torneio de cavalaria à boa maneira medieval, quando a lança do oponente se partiu na viseira do rei e vários dos seus fragmentos se alojaram no cérebro, através de um olho. Quando um rei de França do Século XVI, com a maturidade dos 40 anos, ainda pensa em exibir-se assim em justas medievais, há que aceitar com mais condescendência os sonhos de um seu homólogo da geração seguinte, que aos 24 ainda queria expandir o seu reino em amplas batalhas de cariz medieval: Sebastião de Portugal (1554-1578)…
* Filippa Duci (nascida em 1520, de quem teve uma filha em 1538), Louise-Marie de Léprouve (nascida em 1521, de quem teve duas filhas, nunca perfilhadas), Jane Stuart (nascida em 1520, de quem teve um filho em 1551) e Nicole de Savigny (nascida em 1535, de quem teve um filho em 1557)
** Francisco II (1544-1560), Carlos IX (1550-1574) e Henrique III (1551-1589).
É um deleite ler este "post", excelente (como sempre).
ResponderEliminarObrigado Sofia.
ResponderEliminarGrande aula de história. Obrigado.
ResponderEliminarAdorei!
ResponderEliminarJá tinha saudades de uma leitura destas, carregada de História :)
Obrigado eu, Lino.
ResponderEliminarObrigado, Cristina.
Também já houve quem, marotamente e por outra via, me perguntasse se as maminhas da Ségolène (que não se vêm) serão melhores...
Gostei muito!
ResponderEliminarRefiro-me ao “post”, não às maminhas, que não entram na categoria de obras de arte!!!
Caro A. Teixeira,
ResponderEliminarHabituou-me mal -- costumo visitá-lo diariamente !
Não há mais posts ?
Abraço e espero que esteja bem.
Rui Esteves
Obrigado, Conceição e Pedro.
ResponderEliminarAgradeço surpreendido e agradado a sua preocupação, Rui. Fui apenas ali, já voltei e já postei - pouco didáctico e muito vinagreiro... Um abraço
A.Teixeira