30 julho 2007

OS DESERTORES DOS BONS VELHOS TEMPOS

A Guerra-Fria entre o Ocidente e o Leste também foi travada através da publicidade associada àqueles que abandonaram um dos lados em conflito para se mudarem para o outro. Importa recordar que os houve nos dois sentidos: ao terminar a Guerra da Coreia (1953), houve 22.000 prisioneiros norte-coreanos e chineses que não quiseram regressar a suas casas, mas também houve 350 sul-coreanos e ocidentais que decidiram do mesmo modo (entre os quais se contavam 21 norte-americanos, o que provocou um enorme choque no seu país natal).
Mas, mais do que a quantidade, era a qualidade dos desertores que se transformou num argumento poderoso do lado ocidental. De facto, entre as deserções mais famosas para o Leste que recordo, aparecem-me apenas as figuras de Kim Philby e o grupo de Cambridge, um conjunto de espiões britânicos que também espiavam para a União Soviética ou a de Lee Harvey Oswald, que não era famoso quando desertou, mas ficou famoso quando se aborreceu de desertar e regressou ao Ocidente acabando por assassinar John F. Kennedy…
No sentido inverso, a atenção ao fluxo de elementos qualificados que desertavam do bloco Leste terá começado em Junho de 1961, dois meses antes da construção do Muro de Berlim, quando o bailarino Rudolf Nureyev (acima), primeira figura do Ballet Kirov, então em digressão pela Europa Ocidental, desertou em Paris. Sabe-se hoje que as razões principais de Nureyev estavam associadas às ameaças à sua carreira devido à sua homossexualidade, facto devidamente camuflado na época pela propaganda ocidental.

Depois disso, tornou-se corrente que uma das primeiras figuras de qualquer das reputadas companhias de ballet russo desertasse para o Ocidente com alguma regularidade, como aconteceu, por exemplo, com Mikhail Baryshnikov em 1974, ou com Alexander Godunov em 1979. As viagens das comitivas soviéticas pelo Ocidente, fossem elas de desportistas, músicos, artistas, ou por outra causa, passaram a ser caracterizadas pela presença no grupo de umas pessoas atentas com um espírito muito pouco artístico ou turístico...

Os incidentes, envolvendo potenciais desertores de maior ou menor nomeada tornaram-se tão frequentes (quee eram devidamente explorados pela propaganda ocidental) que chegou a correr uma anedota, perguntando-se o que era um quarteto de cordas? Perante o desconhecimento, explicava-se que se tratava de uma orquestra sinfónica soviética de regresso ao seu país, depois de uma digressão no Ocidente… E aqueles que contactavam com as realidades diárias vividas nos países socialistas, eram os primeiros a perceber as motivações dos que procuravam fugir…

Talvez por viajarem mais isolados, um outro grupo responsável pela produção de um número interessante de desertores de enorme qualidade foi o de xadrezistas como aconteceu com Viktor Korchnoi em 1976 e sobretudo com Boris Spassky, que fora o representante do Leste no Encontro do Século de 1972, na Islândia, opondo o norte-americano Bobby Fischer e o soviético, num arremedo de Guerra-Fria transposta para o Xadrez (acima - Spassky à esquerda). Se até o representante do Leste naquele evento tinha desertado…

Mas, talvez o critério definitivo em muitos casos, fosse mesmo o da oportunidade ou o da ocasião. Deve ser por isso que a lista de desertores contenha uma grande quantidade de pilotos militares, alguns dos quais, sendo absolutamente anónimos quando desertaram, vieram a tornar-se famosos por causa do aparelho em que desertaram, como aconteceu com Viktor Belenko que desertou aos comandos de um (na altura) ultra secreto Mig-25, aterrando de surpresa num aeroporto japonês em Setembro de 1976 (acima).
Julgava eu que tudo isto eram coisas de outro passado, até ler a notícia que a delegação cubana abandonou precipitadamente os Jogos Pan-Americanos que estão a decorrer no Rio de Janeiro, alegadamente por receio de mais deserções entre os seus desportistas… Pode ser um episódio nostálgico mas, mais uma vez, é evidente que desmonta toda aquela imagem, que se procura (ainda) vender, de uma Cuba socialista cercada pelo capitalismo, no modelo aldeia gaulesa que ainda resiste à Gália romana. É que eu sou fã de Astérix, e não me consta que alguma vez houvesse o perigo que Agecanonix ou Ordralfabétix desertassem…

3 comentários:

  1. Só a Zitaseabrix se atreveu a desertar e a contar como foi...

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  2. Desertar no Brasil sempre é mais fácil que fazer a linha Cuba-Miami em jangada... com dificuldades de reserva de lugar!

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