Muito se criticam as redes sociais, mas vem a propósito recordar esta efeméride de há precisamente 30 anos, no suplemento A Mosca, do Diário de Lisboa, uma crónica arrasadora para com as críticas e os críticos de cinema, especialmente os que escreviam no semanário Expresso. Ao longo da quase dúzia e meia de anos que o jornal então contava, havia-se desenvolvido um ecosistema fechado entre os que ali escreviam sobre cinema, que se tornara numa paródia do intelectualismo pedante, tal era o estilo adoptado. O autor da crónica de A Mosca era Jorge Silva Melo e a sua vítima João Lopes (acima), um dos tais três ou quatro críticos de cinema que se haviam notabilizado naquela década (a dos anos 80) por escreverem apreciações sobre os filmes que, para além do rebuscamento, pura e simplesmente não se percebiam. O comentário mais benigno consistia em aventar a hipótese que os críticos escreviam para serem lidos uns pelos outros; pelo contrário, o mais ferino - e essa deveria ser a opinião de Jorge Silva Melo, tendo em consideração a sua crónica - que nem isso seria verdade: os próprios autores teriam dificuldade em explicar ulteriormente o que eles mesmos haviam escrito. Para o comprovar, Jorge Silva Melo recuperava passagens de prosa que haviam sido escritas por João Lopes em algumas das suas críticas de cinema mais recentes. Mesmo 30 anos transcorridos, creio que elas ainda falarão por si:
«Não apenas o retrato de um corpo na sua inadequação às normas do equilíbrio social mas sobretudo uma arqueologia desse mesmo corpo em desequilíbrio nunca resolvido face ao desejo que o habita».
«A fractura do espaço que aqui se encerra magistralmente tem o seu complemento de profundidade nas vozes que, cantando, reactualizam a memória e lhe dão locomoção física».
«Não há em Terence Davies uma realidade anterior à reprodução, ela nasce de um contrato difícil entre o que se constrói a cada momento e o que é destruído na reelaboração do instante.»
«O debate das ideias e a saúde da reflexão sobre o cinema português devem vir para a praça pública sem o recurso a este tipo de processos que, no fundo, não servem o que mais importa». (Esta última citação é já de um dos colegas de João Lopes, colega esse que Jorge Silva Melo infelizmente não nomeia).
Não quero ir ao ponto de exagerar, considerando que a crónica de Jorge Silva Melo tenha sido um marco na desagregação da reputação cinéfila dos críticos do Expresso. Essa, por critérios funcionais, já estava nas ruas da amargura, comprovada pelas anedotas. Mas, porque ninguém aparecia a escrever que, neste aspecto, o rei seguia ridiculamente nu, lembro-me do quão foi reconfortante vê-lo consagrado num mesmo suporte - um jornal - em que apareciam impressas as dissertações ininteligíveis a propósito de filmes que constavam das páginas das críticas de cinema do Expresso. Ora, e para voltarmos ao início do que aqui escrevi, nada me demove da ideia que, houvesse redes sociais naquela época e João Lopes (JL), assim como todas as outras iniciais que o acompanhavam nos devaneios (MCF, AMS, JLR, EPC, MSF) e a degeneração desta escola de crítica cinéfila teria sido feroz e felizmente coarctada mais cedo. Embora seja do senso comum reconhecer que ninguém compra ou deixa de comprar um jornal por causa do que aparece escrito na página da crítica de cinema...
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