São nove notícias de outros tantos órgãos de comunicação social mas em nenhuma delas aparece a menção de que os autores da «selvática agressão», os protagonistas do «episódio de violência», os responsáveis pelos «desacatos» e «agressões» eram ciganos. Sabe-se, mas não está escrito. Está assumida a existência de uma «omertà» mediática quando o assunto envolve minorias étnicas, especialmente esta. E mesmo aqueles cronistas que a denunciam, como é o exemplo de Helena Matos, que a costuma atribuir à correcção política, esquecem-se entretanto de criticar os jornais para onde escrevem, que cumprem precisamente a mesma lei da «omertà», como todos os outros: porque não foi o Observador que se atreveu a chamar ciganos aos ciganos neste episódio do Hospital de São João no Porto... Mas, como tudo aquilo que não pode ser dito, criou-se um código, do mesmo estilo como há cinquenta anos havia (noutras circunstâncias), para contornar as censuras. Como todos esses códigos que se destinavam a um público diversificado, também este não pode ser muito sofisticado. E o que acontece nos relatos destes casos é que os jornais acentuam o comportamento associal dos prevaricadores: deslocam-se em magotes, agridem fisicamente os funcionários dos serviços, recorrem às armas sem qualquer inibição, não manifestam qualquer respeito pela autoridade. Não está lá escrito que são ciganos, mas acaba por estar, quem lê a notícia não fica com dúvidas. Assim como outrora, ao ouvir uma qualquer piada de teatro de revista que envolvesse um António, o espectador já sabia que se tratava de uma alusão a Salazar. Até se percebe a intenção bem fundada desta «omertà» - a verdade é que nem todos os ciganos adoptarão comportamentos tão extremamente associais como os que são descritos nestas notícias. Mas, também me interessa colocar a questão da perspectiva inversa - é que os ciganos não têm o exclusivo nestes comportamentos. E, se isso acontecer, como é que se notícia o acontecimento para que os ciganos não se vejam injustamente implicados? Para que não haja confusões nem falsos implicados, os jornalistas obrigar-se-ão a escrever artigos assim, codificados também: A dona Adosinda, fora de si e perdendo a razão, foi chamar o marido para arriarem um enxerto de porrada na professora do filho, ou então, o José Manuel, contrariando o bom senso, rapou de uma caçadeira para resolver a questão...
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