Assim como desde sempre os arco-íris tiveram uma presença significativa nas mitologias de quase todas as culturas, as suas correspondentes modernas tendem a criar outros mitos que muito se lhes assemelham na forma elusiva como os contemplamos, sem nunca lhe conseguirmos tocar. Veja-se o exemplo das reformas estruturais. Ao fim de tantos anos a falar-se delas e da sua necessidade, já deu para perceber que, como o arco-íris, é uma coisa que existe no céu mas que não chega a tocar cá na terra. É um assunto a que inúmeros agentes se referem: governo, partidos, autoridades de supervisão, comissão europeia, agências de rating, organismos internacionais, trata-se de um tópico (um tema!) ao qual não há cão nem gato que já não se tenha apropriado dele para mandar os seus bitaites. E no entanto, andando na boca de tanta gente (como a veneranda pasta medicinal Couto), se procurarmos em que consistirão as tais reformas estruturais em concreto, nada encontraremos a não ser o consenso que essas reformas estão sempre por realizar. Acontece cá em Portugal, assim como com outros países da Europa meridional; em contraste, nos países da Europa setentrional não parecem ser precisas essas reformas, elas já terão sido realizadas, não se sabe é quais, nem quando, nem como.
Ou então, admita-se, serão países que serão naturalmente estruturados: não precisam congenitamente de reformas estruturais. Ou então só os idiotas é que se atrevem a falar desse assunto... Mas a contradição mais gritante de toda esta história das reformas estruturais consiste em, e porque não há uma lista delas, também não aparecem check lists (ao jeito dos fact check que o Observador tanto aprecia) sobre o que já foi feito e o que falta fazer. Por exemplo, e quanto a reformas estruturais, quantas é que o governo PSD/CDS fez nos quatro anos e meio em que lá esteve, e quais é que deixou por fazer? Não se sabe bem... O que é que o governo da "Geringonça" fez (ou desfez) nestes dois anos que leva no poder? Também não se sabe bem... A avaliação objectiva do tema é fluída mas a ladainha é que se perpetua, abstracta: continua a haver necessidade de reformas estruturais - a cada semana há um qualquer órgão de comunicação social que dá visibilidade a um burocrata qualquer que também acha essa mesma coisa... É como aquela fábula que estabelecia que no sítio onde o arco-íris encontrava a terra existia um tesouro. Nunca ninguém o vira, mas constava para aí que sim, assim como consta por aí - e ninguém contesta! - que, se as reformas tiverem o epíteto de estruturais, então hão de ser boas para a nossa economia (talvez não propriamente para nós, mas essa é toda uma outra conversa...).
É engraçado que, em toda esta história mitológica, uma das poucas vítimas tenha sido Paulo Portas, desde sempre reputado por ter uma inteligência espertalhona. Foi metaforicamente puxado por uma orelha que, depois de sucessivos adiamentos, aquele que era então o vice-primeiro-ministro foi obrigado a fazer uma lista sua do que reputaria importante em termos de reformas do Estado - expressão que ele, como tantos outros, usava e abusava. A coisa, denominada Guião para a Reforma do Estado, demorou oito meses e meio a preparar e foi justamente estraçalhada nos dias seguintes ao da sua apresentação em finais de Outubro de 2013 (entre outros, abaixo, por Rui Tavares). Estranhamente, e depois de tantos enterros precoces, este evento pareceu ter sido aquele que finalmente trouxe o descrédito a Paulo Portas. Algum detonador misterioso terá feito a comunicação social finalmente aperceber-se que Paulo Portas não tem qualquer lastro pessoal. Depois de sair do governo e de quando em vez vai dizer umas coisas a um programa que a TVI transmite perante a indiferença geral, até do próprio canal. E isso apesar de prosseguir (dispensando-o) o folhetim das reformas estruturais...
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