A 31 de Maio de 2005, numa revista improvável de moda e mexericos (a Vanity Fair), esclarecia-se um mistério com mais de trinta anos: a identidade daquele que fora alcunhado de Garganta Funda durante o Caso Watergate, a fonte da administração que não só fornecera aos dois jornalistas do The Washington Post os dados preliminares para a sua investigação, como até os orientara no sentido em que deveriam prosseguir essa investigação que depois, de escândalo em escândalo, acabou por culminar com a demissão do próprio presidente Richard Nixon em Agosto de 1974. Considerada durante décadas a causa célebre do jornalismo, a revelação da identidade de quem estivera por detrás do processo, Mark Felt, que era nada mais, nada menos, que o nº 2 do FBI na época, veio estragar toda a limpidez da que fora a narrativa (épica!) durante as três décadas que se haviam sucedido ao Caso Watergate. Afinal a fonte, Mark Felt, tinha as suas causas pessoais para detestar Nixon, Mark Felt também tinha tido os seus problemas com a lei no exercício do seu cargo no FBI (a respeito de entradas em domicílios sem estar provido do devido mandato judicial - precisa e ironicamente o mesmo que acontecera no episódio do edifício Watergate que dera o seu nome a todo o caso). Em suma, se exposto, Mark Felt era frágil, podia tornar-se num alvo de uma campanha de descredibilização (conduzida pela administração Nixon) caso se soubesse publicamente a sua identidade. Curiosamente, com esta revelação descobriu-se posteriormente que a sua identidade como Garganta Funda viera provavelmente a ser descoberta pela administração Nixon, mas que nessa fase já o escândalo saíra do âmbito da imprensa e passara para o âmbito político do Congresso, quanto neutralizar a pessoa de quem o desencadeara se tornara tarefa supérflua. Mas o mais curioso e que não me canso de evocar foi o que (não) aconteceu de 2005 para cá, depois da revelação da identidade de Mark Felt. O conjunto da comunicação social, a começar, obviamente, pela norte-americana, noticiou a dita identidade mas sem se dispor a extrair do facto as naturais e devidas consequências, nomeadamente rever o que fora a narrativa do Caso Watergate nas três décadas precedentes. Não se tratou de uma luta do bem (os jornalistas impolutos) contra o mal (os políticos corruptos). Houve outros interesses muito mais importantes do que os deontológicos para que no The Washington Post se preservasse por tanto tempo do conhecimento do público a identidade de Garganta Funda. A verdadeira verdade é que o Caso Watergate começou por ser uma questão pessoal entre duas pessoas muito pouco recomendáveis (Nixon e Felt) e os responsáveis do jornal tiveram mais de trinta anos de oportunidade para que isso fosse sabido e nunca o fizeram.
Sem comentários:
Enviar um comentário