04 junho 2013

SEGREDOS DA DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA

Em pleno centro de Angola, de 18 para 19 de Agosto de 1975 teve lugar um dos mais embaraçosos episódios da história recente das armas portuguesas quando um dos batalhões do exército procedia à sua evacuação por via ferroviária. Na ponte Cuanza foram desarmadas as Nossas Tropas e maltratadas, incluindo o próprio comandante do batalhão, e apreendidos todos os materiais, inclusive viaturas, visto terem desatrelado vagões que as transportavam. Foram também espancados, insultados, e alguns elementos desfardados, tendo chegado a Nova Lisboa (actualmente Huambo) em trajos menores, tendo o próprio comandante sido espancado. Foi também roubado material rádio e cripto (pp. 416 e 417).

As passagens em itálico são o conteúdo das próprias mensagens então trocadas entre os comandos militares locais e Lisboa. E as respostas de Lisboa mostram porque é que a situação desses comandos era muito complicada considerando a situação volátil que aqui se vivia e o perfil viscoso de alguns dos protagonistas: O nosso general Costa Gomes reagiu muito mal ao comportamento nos incidentes na ponte de Cuanza com a UNITA. A retaliação terá apadrinhamento do nosso general, mas há que avaliar a oportunidade política ou até onde se poderá ir nas atitudes de firmeza face ao que se pretende obter. (p. 418) Ou seja, o nosso general até achava que se devia dar porrada na UNITA mas se o fizessem e se a coisa corresse mal não os cobriria… Por alguma razão por cá adquirira a alcunha de rolha 

Este é um aspecto que dá muita força a este livro sobre a descolonização de Angola. Como a própria autora explica, cerca de 80% dele foi alimentado pelas dificilmente refutáveis fontes documentais da época. Algumas vezes percebe-se que a autora nem domina bem o assunto sobre o qual transcreve: classifica os Noratlas de helicópteros (p. 254 – o Noratlas é um bojudo avião de transporte), inventa umas pistolas de 76 mm (p. 428 – 76 mm é um calibre de artilharia) e, simbolicamente, na penúltima página, recupera a especialidade de granadeiros, ao formar um pelotão deles ao lado de outros de paraquedistas e de fuzileiros para a última cerimónia do arriar da bandeira em terras angolanas (p. 486 – na verdade, a unidade era de cavalaria).

Mas isso tratar-se-á apenas de pequenos erros causados pela ausência de uma revisão técnica cuidada que a qualidade da obra mereceria. O que é realmente importante é que a autora, Alexandra Marques, apresenta aqui um trabalho muito bom, consolidado pela qualidade das fontes quanto às teses que apresenta. Foi também uma saudável novidade o descomprometimento e o distanciamento como o tema aparece globalmente tratado, a renovação das gerações – a autora tinha sete anos quando dos acontecimentos – parece assegurar o abandono de uma certa carga de responsabilização – dos colonialistas mas também dos anti-colonialistas portugueses – pela trajectória sangrenta para onde os angolanos decidiram naquelas circunstâncias conduzir o seu próprio país.

13 comentários:

  1. a qualidade das fontes quanto às teses que apresenta

    Não li o livro, e pergunto: a autora não domina bem o assunto mas, apesar disso, apresenta teses?

    E, já agora questiono, que teses apresenta ela?

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  2. Caro anónimo que se esconde por detrás da designação de Herdeiro de Aécio e põe como foto o urso Fozi dos Marretas... O Nord Atlas classificado nos termos que transcreve é um trecho do Diário de Luanda sobre a ajuda que a Força Aérea deu aos desalojados de Luanda nos confrontos em Luanda. Dizer que não domino o assunto é ofensivo porque nunca em Portugal ninguém se deu ao trabalho de consultar quatro arquivos militares (dois do MFA de Angola, um do CEMGFA e outro da Presidência da República). Mais: escrevo teses e a segunda será decerto mais inconveniente para os senhores que se escondem por detrás de bonecos animados. Porque os relatórios militares não mentem. Posso não ser especialista em equipamento bélico, mas transcrevi o que estava escrito e se portanto está incorrecto, lamento, mas limitei-me a transcrever o que os militares escreveram. Eu sou a autora do livro, Alexandra Marques, doutoranda em História, e se tiver coragem, assuma a sua identidade e contacte-me sff. Obrigada

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  3. Alexandra Marques, já que está aqui, tentei ver aquele vídeo seu que está lincado mas, francamente, não tive paciência, porque, desculpe que lhe diga, você fala à velocidade do Vítor Gaspar. Por favor, da próxima vez que fôr à televisão, fale com um bocadinho mais desenvoltura, rapidez...

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  4. O Luís Lavoura que me desculpe, mas considerando o estatuto de Alexandra Marques, responderei à autora em primeiro lugar.

    Para dizer à Alexandra que não é confortado que terei a imodéstia de me citar, mas pode comprovar que há uma frase no 4º parágrafo do texto onde se pode ler: “O que é realmente importante é que a autora, Alexandra Marques, apresenta aqui um trabalho muito bom, consolidado pela qualidade das fontes quanto às teses que apresenta”. Será que a Alexandra se chegou a aperceber do carácter elogioso da minha apreciação global, ou já estava demasiado incomodada com os “pequenos erros” que apontei ao seu trabalho no parágrafo anterior?

    Se assim for, lamento dizer-lhe que, mesmo considerando o seu trabalho “muito bom” o não considero isento de críticas e acho presunçoso que a Alexandra assim o considere, e que, como também escrevi, continuo a lamentar que não se tenha procedido a uma revisão técnica cuidada quando quis transformar a sua tese em livro. É incontornável que a descolonização de Angola envolveu uma guerra civil e que portanto os assuntos técnicos e militares são importantes para quem sobre ela queira escrever.

    Diga-se de passagem, que a explicação, que aqui presta no seu comentário, quando ao erro sobre a classificação dos Noratlas não é aceitável: é sua responsabilidade assegurar-se do rigor das fontes que usa: o/a jornalista do Diário de Luanda também podia não ser “especialista em material bélico”. Dir-lhe-ei mais: desconfio que tenha sido de uma fonte escrita em inglês que tenha ido desenterrar o “seu pistolão” de 76 mm, através de uma tradução mal feita da palavra “gun”; mas não consigo imaginar onde foi desenterrar os “granadeiros” da cerimónia do arriar da bandeira…

    Mas, como fiz no texto original, vou deixar aquilo que considero mais importante para o fim: a questão da minha identidade e a pertinência de lhe fazer as críticas que fiz ao seu livro. Se a Alexandra olhar para o cabeçalho do meu blogue, do lado direito da fotografia do urso há-de ver o nome A. Teixeira. Não é o nome do urso. Esse a Alexandra já mostrou saber que se chama “Fozi” (na verdade é Fozzie e isso já não é “material bélico”…). É o meu nome e, para a contentar, informo-a que o A. é de António. O facto de não o ter descoberto, quando ele se mostra tão evidente, deixa-me apenas apreensivo quanto à sua capacidade de saber extrair toda a informação da documentação com que trabalha…

    Na verdade, e o que vou escrever pode ser interpretado contra mim, tenho que lhe chamar a atenção para o facto de que a questão da identidade dos críticos deixou de ter importância a partir do momento em que decidiu publicar comercialmente a sua obra. A Alexandra até pode – e eu até acho que merece – andar com o ego confortado de orgulho pela sua obra, mas aperceba-se que a notoriedade que tem recebido, com idas à televisão e notas nos jornais se deve a interesses comerciais e não ao valor científico do que escreveu. Ao comprar o seu livro por 20 € qualquer leitor adquire o direito de dizer o que lhe aprouver sobre a sua obra, com ou sem fundamento, até sem ter lido o livro!

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  5. Se o Luís Lavoura nem paciência tem para ouvir as teses da autora de viva voz não estará à espera que eu o faça por escrito...

    Leia o livro. Já lho disse, creio que não o convenci, mas não há habilidade argumentativa que consiga substituir o conhecimento consolidado dos assuntos.

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  6. A.Teixeira,

    como você bem fez notar, a minha paciência é pouca. Em particular para ler livros, com os meus fracos olhos, à noite, tenho bem pouca paciência. Só o faço se o tema do livro me interessa mesmo muito.

    Ainda para mais quando, como parece ser o caso, o livro consiste em 80% transcrições de fontes, talvez 5% conclusões (teses).

    Por isso agradecia se você, que leu o livro e lhe apanhou as teses, mas pudesse resumir (pelo menos uma ou duas principais).

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  7. Palavra de honra que me é cada vez mais difícil entender alguns comentários, primeiro pela sua deslocada ferocidade, depois porque são totalmente desfasados do que, na realidade, os posts dizem. O comentário de "autora do livro, Alexandra Marques, doutoranda em História" ao post sobre o livro "Segredos da Descolonização de Angola" é um exemplo evidente.
    Será que leu mesmo o post? É que a recensão é bastante elogiosa, apontando-lhe falhas a que atribui uma falta de revisão técnica cuidada, embora da responsabilidade da autora.

    Será que pensa que não pode ser criticada? Não negou as falhas, apenas as desvalorizou, o que demonstra grande falta de humildade.

    Será que está em estado paranóide? A insinuação de que o responsável pelo texto - A. Teixeira – (a quem exorta a "ter coragem" para se revelar) faz parte de um obscuro grupo de "senhores" para o qual será inconveniente a exposição de “relatórios militares” que "não mentem", é críptica e quase hilariante.

    Será que ensandeceu?

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  8. Eu até estava a pensar adquirir o livro, depois de ter lido a crítica que A. Teixeira lhe fez; agora, ao ver a reacção bizarra que a esta teve a autora daquele, não sei se mantenha a minha intenção...

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  9. A talhe de foice, já que se fala da independência de Angola, há uns anos o General Silva Cardoso publicou um livro sobre a sua experiência como Alto Comissário Português, durante o período de transição para aquela independência, na então ainda província portuguesa. Pessoalmente, achei tal leitura bem interessante e muito esclarecedora.

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  10. Também escrevi uma apreciação sobre esse livro que menciona neste blogue (http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/2008/01/angola-anatomia-de-uma-tragdia-e-outros.html).

    Como o assunto o parece interessar sou de opinião que o livro valerá a pena, mau grado a falta de siso demonstrada pela autora.

    Fica-nos a pena do que poderia ter sido alcançado se a autora tivesse conseguido aproveitar a fundo as fontes que utilizou.

    Porque do episódio ficou patente que, não sabendo ler linearmente um texto como aquele que aqui escrevi, muito menos será capaz de extrair as "nuances" de uma acta de uma reunião oficial.

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  11. Suponho que não será presunção minha antecipar, da parte de uma autora que pretendia que eu a contactasse – “…contacte-me sff. Obrigada”. Para onde? – que pelo menos a curiosidade a impelisse a voltar a esta caixa de comentários verificar qual fora a reacção ao comentário que cá deixou. Se isso aconteceu – e eu tenho a presunção que sim – registo pelo menos que a autora resolveu não deixar traço desse retorno – pelo menos, já se passaram dois dias, período mais do que razoável nestas “trocas de mimos”.

    A ter sido assim, deixem-me pelo menos manifestar o desabafo final de que a coragem que a autora me pediu quando me instou a “assumir a minha identidade” assumida, será “uma cena que a ela não lhe assiste”, quando nesse hipotético regresso terá constatado, pela minha resposta e pelas reacções posteriores, que se precipitara e se enganara no julgamento que fizera do conteúdo do texto que aqui fora escrito a respeito do seu livro. A humildade não será traço de carácter que abunde por ali…

    Para encerrar o episódio, é evidente que continuo a recomendar a leitura de “Segredos da Descolonização de Angola”.

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  12. Caro António

    Lembra-se de uma nossa "conversa" sobre os comentários aos seus posts, quando decidiu suspender a possibilidade de os fazer?
    Espero que não caia agora na mesma "tentação" apesar do despautério do comentário da Alexandra Marques, até porque, o nível dos outros comentários é bem diferente, para não dizer de outro nível, não querendo importunar a Alexandra.
    Grande abraço ao Fozzie.

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  13. Fui Oficial Piloto da Força Aérea durante esse período em Luanda e vieram me lágrimas aos olhos tal o realismo e correcta descrição dos factos.
    Parabéns e recomendo

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