08 junho 2013

AS LEIS DE MENDEL E AS LEIS DO «APARTHEID»

A princípio, até parecia que a cegonha se enganara e pregara uma partida a Abraham e Sannie Laing, quando em 1955 tiveram uma filha a que deram o nome de Sandra (acima). Embora tratando-se de episódios raros, serão mais comuns do que se pensa, o problema é que este acontecia num país onde as questões da tez da pele ou da textura dos cabelos de Sandra eram questões legais: a África do Sul. Cinco anos antes, a Lei nº 30/50 obrigara todo o cidadão sul-africano a ser classificado de acordo com uma raça. O objectivo era que os indivíduos de cada raça convivessem entre si, mas não com os das outras. E, por muito que o casal de comerciantes de Piet Retief, cidadezinha do Transval junto à fronteira com a Suazilândia, obrigasse a filha a proteger-se do sol, era óbvio, à medida que os anos passavam, que a aparência de Sandra não era caucasiana o que prenunciava que no futuro viessem a surgir questões sobre o seu enquadramento social. Acrescia à ironia da situação que Abraham Laing era um militante do Partido Nacional, o partido promotor da política de apartheid que ameaçava agora descriminar a sua própria filha.
Os problemas com Sandra começaram a colocar-se quando ela foi para a escola. A aparência de Sandra (acima, aos 11 anos, com um irmão mais novo de cabelo igualmente crespo mas mais claro) era a de uma mestiça (coloured - uma das quatro raças resultantes da classificação do apartheid). Porém, tanto quanto era possível aos pais traçar as suas árvores genealógicas, os ascendentes de Abraham tinham vindo da Alemanha, os de Sannie da Holanda. Para afastar outras alusões mais deselegantes, Abraham submeteu-se a testes de paternidade, que confirmaram, com a certeza possível antes da era do ADN, que ele era o pai biológico de Sandra. Mas a pressão social e os constrangimentos políticos impuseram-se: os Laing não conseguiam matricular Sandra nas escolas, o seu caso foi subindo as instâncias judiciais até ao Supremo Tribunal de Bloemfontein que acabou por confirmar a sua classificação como coloured. Paradoxalmente foi a burocracia – através do Ministério do Interior – que se veio a mostrar mais compreensiva e a reclassificar excepcionalmente Sandra Laing como branca honorária.
Uma história com moral exigiria uma Sandra agradecida pela oportunidade, mas a realidade foi diferente: foi uma adolescente complicada (teve dois filhos antes dos dezoito anos) e teve uma vida adulta turbulenta (mais quatro filhos de quatro pais diferentes), separada do resto da família. O fim do apartheid não foi o fim dos seus problemas pessoais. Em 2008 fez-se um filme inspirado na sua história intitulado Skin (pele). Por detrás da história de Sandra Laing estão umas Leis que superam as então promulgadas pelos ideólogos do apartheid para a separação das raças. As Leis são sobre hereditariedade e genética e foram descobertas por um pacato monge checo chamado Gregor Mendel (1822-84). Ora os estudos mostravam que na população branca sul-africana existia uma percentagem média de 7 a 11% de genes de origem não caucasiana. Mesmo que os genes que definem a cor da pele ou a textura do cabelo sejam só alguns de entre os mais de 25.000 que se herdam, Mendel descobrira que é possível que certas características dos antepassados reapareçam em certas circunstâncias, num fenómeno conhecido por atavismo.
Foi o que aconteceu com Sandra Laing que pode ser encarada como uma vítima das Leis da Ciência e das leis dos homens…

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