29 junho 2013

ARITMÉTICAS POLÍTICAS

Em Outubro de 1955 realizou-se um referendo sobre a natureza do regime vietnamita. Quando da publicação dos resultados eleitorais oficiais desse referendo, registou-se uma vitória esmagadora de preferências pela opção republicana de governo (5.721.735 votos) sobre uma ínfima minoria de simpatizantes da causa monárquica (63.017) – correspondente a uma proporção de 98,9%. Mas o que confere a esta um estatuto diferente à de todas as centenas de caricaturas de eleições realizadas sob ditaduras por esse mundo fora é o pormenor, não devidamente realçado pelos cabeçalhos da imprensa, que haviam sido escrutinados (5 721 735 + 63 017 =) 5 784 752 votos quando havia apenas 5 335 668 eleitores registados. Ou seja, houve quase mais 450 000 votos que eleitores¹
Porém, pior do que cometer erros é habituarmo-nos a eles. A sociedade vietnamita pareceu desenvolver com isso uma tolerância benigna a contas que não faziam sentido. Quase trinta anos depois, na sua edição de 4 de Fevereiro de 1975, podia ler-se na primeira página do The Saigon Post, um jornal de língua inglesa que se publicava na então capital do Vietname do Sul, uma resenha da actividade do jardim zoológico local ao longo do ano que acabara de findar. E precisava: haviam recebido 137 200 visitantes dos quais 98 000 adultos e 38 400 crianças. Não classificados nem como adultos nem como crianças, não havia nenhuma referência aos 800 visitantes em falta, apetecendo-nos perguntar se haviam sido outros animais que tinham ido visitar a família e/ou tinham desaparecido durante a visita aproveitados para alimentação dos crocodilos?
Falando mais a sério, a República do Vietname desagregar-se-ia dali por três meses. Entre nós parece estar-se a  desenvolver um embrutecimento semelhante diante da inconsistência e da incompetência associada aos números que vão chegando ao nosso conhecimento.

¹ É um fenómeno muito mais frequente do que se pensa: veja-se esta notícia a propósito das recentes eleições paquistanesas.

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