19 junho 2013

A TRADIÇÃO PARLAMENTAR GERMÂNICA

As histórias sobre a ascensão do III Reich costumam encerrar o período do parlamentarismo germânico com o incêndio do Reischstag em 27 de Fevereiro de 1933 mas trata-se de uma simplificação. As eleições parlamentares tiveram lugar no Domingo seguinte, 5 de Março. O NSDAP venceu-as com 44% dos votos, portanto sem alcançar maioria absoluta. Reunidos no edifício da Ópera Kroll, mas já sem a presença dos 81 deputados comunistas eleitos, que haviam entretanto sido colocados fora da lei, os restantes deputados, com excepção dos 94 sociais-democratas presentes, aprovaram por 444 votos favoráveis a Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich (Lei para sanar o problema do Povo e do Reich). Era uma lei que, como se deduz pelo título, invocando uma situação excepcional, concedia ao governo poderes legislativos totais por um período de quatro anos, dispensando-se a aprovação parlamentar para os seus actos. Em 1937 a Lei foi discretamente renovada até que em 1943 o próprio Adolf Hitler a decretou perpetuamente em vigor. Mas tudo isso não dispensou o formalismo de que houvesse um parlamento alemão. Mas que fosse, de preferência, mais conforme.
Oito meses depois, em 12 de Novembro de 1933, houve novas eleições legislativas e dessa vez a lista única do NSDAP recebeu uns miraculosos 92% dos votos e a totalidade da representação parlamentar. Nas duas eleições subsequentes, em Março de 1936 e em Abril de 1938, a percentagem subiu para uns arrasadores 99%. Este Reichstag reunia-se irregularmente, quando convocado pelo Führer para aprovar especificamente alguma legislação mais significativa como por exemplo as Leis de Nuremberga de conteúdo anti-semita, aprovadas em Novembro de 1935. Sem deter qualquer poder, o Reichstag deixara de ser um parlamento no verdadeiro sentido do termo, onde deixara de haver debates porque o único orador autorizado era Adolf Hitler (acima, a anunciar a declaração de guerra em Setembro de 1939), e onde o papel dos deputados (quase todos fardados) era aplaudir o orador. Como as sessões terminavam invariavelmente ao som do hino nacional-socialista Horst Wessel Lied (abaixo), o humor alemão, naquela sua ironia bruta que mal se distingue do sarcasmo, qualificava os 813 deputados de o coro masculino mais bem pago do Mundo

É um exagero fazer qualquer paralelo daqueles 813 deputados com os 754 que compõem actualmente o parlamento europeu. Mas reconheça-se que o funcionamento deste último assenta no resultado do somatório de várias tradições parlamentares nacionais distintas que ali têm assento. Há os países que a têm robusta e agreste no formato, outros que a têm assumidamente mais frágil, a descambar para o pugilato por razões menores, e há ainda aqueles que, como se exemplificou acima, fazem de conta, como será o caso alemão que teve durante décadas parlamentos que nunca detiveram poder de facto e onde, por isso, as disputas inerentes à actividade parlamentar foram tradicionalmente de baixa intensidade. E uma excelente forma de ver esse contraste é o desconforto como representantes dessa última tradição parlamentar, no caso abaixo o presidente do próprio parlamento europeu, o alemão Martin Schulz, se comportam diante do discurso agressivo de um franco-atirador parlamentar típico de tradição britânica, como é o caso do eurodeputado Nick Farage.

2 comentários:

  1. Farage - independentemente do que se possa pensar acerca das suas ideias - é por excelência um representante da mais pura tradição liberal política britânica, hoje em dia, em recuo óbvio - o que é uma pena - no próprio Reino Unido, muito por culpa dos Schultz britânicos - Blair, Brown e Cameron.
    Quanto a Schultz propriamente dito, é um destes eurocratas cinzentos (como Rompuy, Catherine Ashton ou... Durão Barroso), com um toque totalitário de baixa intensidade, que ninguém consegue perceber - ao menos às claras - como é que ocupam os cargos que ocupam. E isto diz muito da Europa dos nosso dias...

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  2. Eu não sintetizaria a situação da transparência política da "construção europeia" melhor do que a forma como a descreveu.

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