Saber que existe um país chamado Oman é raro. Conhecer algumas coisas sobre Oman é ainda mais raro. Mas saber, entre essas coisas, que lá se travou uma guerra subversiva e separatista durante 14 anos (1962-1976) é uma verdadeira preciosidade. É, porém, uma preciosidade interessante. Entretanto, sinal dos tempos e da veterania deste blogue, começam a somar-se os assuntos em que, para os enquadrar, posso remeter o leitor para postes que já aqui havia escrito – neste caso um de Março de 2007 com uma descrição sumária de Oman.
O mapa mais acima ajuda a explicar algumas das causas da insurreição que ficou conhecida pela Rebelião de Dhofar. Tradicionalmente, a população da província de Dhofar, que se situa no Sul de Oman, tem mais afinidades culturais com os seus vizinhos iemenitas do que com os seus compatriotas omanitas. Por outro lado, se 1962 foi o ano de início da Rebelião foi porque também foi o do início da complexa Guerra civil iemenita – já abordada por mim noutro poste anterior – que transbordou para a província omanita.
Oman sempre foi um país teoricamente independente, mas o vizinho Yemen do Sul era um protectorado britânico e a guerra que aí se travava era simultaneamente uma guerra civil entre as tribos locais e uma guerra anti-colonial dessas tribos contra os britânicos. Estes últimos perderam-na de uma forma muito pouco gloriosa em 1967. A pressão dos guerrilheiros sobre Dhofar aumentou depois disso, no quadro de uma Grande Estratégia dominada então pela Guerra-Fria com as autoridades a receberem apoio britânico e os rebeldes apoio soviético.
Em 1970, os britânicos patrocinaram um golpe de estado que derrubou o velho sultão e o substituiu pelo seu filho Qaboos Bin Said, então com 29 anos. Qaboos havia recebido formação escolar na Índia e formação militar para oficial na Academia de Sandhurst no Reino Unido. A fotografia abaixo, com o jovem Sultão (de binóculos) no terreno torna-se simbólica da inflexão que então se procurou dar à contra-insurreição. Nesse sentido, as Forças Armadas omanitas recorreram à contratação de oficiais de origem britânica, paquistanesa ou indiana.
Para um conflito desta natureza era um de pequena dimensão. Num território com uma área um pouco superior à de Portugal continental (100.000 km²) enfrentavam-se 12.000 soldados e cerca de 2.000 rebeldes¹. Com excepção da região litoral (e aí apenas durante a época da monção) o terreno é árido e extremamente acidentado o que facilitava as incursões dos rebeldes vindas do Yemen. A população (abaixo), que naquela época se cifraria em cerca de 70.000 habitantes, organizava-se em tribos semi-nómadas desde os tempos ancestrais.
Houve porém características que o tornaram peculiar, senão único. A questão política do colonialismo que atravancou a maioria dos conflitos desta natureza (a começar pelos três em que Portugal se envolveu…) não tinha aqui cabimento. Não havendo necessidade de cuidados com esse aspecto político do conflito, pôde assumir-se que ele contou com a participação aberta de mercenários a combater pelo lado governamental: os britânicos reconhecem que sofreram 24 mortos e 55 feridos, alguns deles militares contratados directamente pelos omanitas.
Mais do que o reforço adicional de um contingente de 2.000 iranianos que chegou em princípios dos anos 70 terá sido paradoxalmente a crise petrolífera de 1973 a precipitar o fim do conflito. Como estado produtor, Oman passou a dispor de um aumento súbito de receitas que pôde alocar aos programas de conquista das simpatias da população civil, até aí muito condicionados com os gastos com as operações militares. Em 1976 o Sultão Qaboos anunciou formalmente a vitória na guerra embora os incidentes se prolongassem até 1979.
Ao Serviço do Sultão é um livro de memórias de um ex-oficial escocês, veterano deste conflito que foi subalterno de uma companhia de tropas omanitas. É engraçado compará-las com outras de ex-oficiais portugueses seus contemporâneos que comandaram unidades de tropas africanas.
¹ Para comparação, no TO da Guiné chegaram a enfrentar-se o triplo dos soldados (36.000) com o triplo dos rebeldes (6.000), num território três vezes menor (36.000 km²)… mas perante uma população que era 7 a 8 vezes superior!
O mapa mais acima ajuda a explicar algumas das causas da insurreição que ficou conhecida pela Rebelião de Dhofar. Tradicionalmente, a população da província de Dhofar, que se situa no Sul de Oman, tem mais afinidades culturais com os seus vizinhos iemenitas do que com os seus compatriotas omanitas. Por outro lado, se 1962 foi o ano de início da Rebelião foi porque também foi o do início da complexa Guerra civil iemenita – já abordada por mim noutro poste anterior – que transbordou para a província omanita.
Oman sempre foi um país teoricamente independente, mas o vizinho Yemen do Sul era um protectorado britânico e a guerra que aí se travava era simultaneamente uma guerra civil entre as tribos locais e uma guerra anti-colonial dessas tribos contra os britânicos. Estes últimos perderam-na de uma forma muito pouco gloriosa em 1967. A pressão dos guerrilheiros sobre Dhofar aumentou depois disso, no quadro de uma Grande Estratégia dominada então pela Guerra-Fria com as autoridades a receberem apoio britânico e os rebeldes apoio soviético.
Em 1970, os britânicos patrocinaram um golpe de estado que derrubou o velho sultão e o substituiu pelo seu filho Qaboos Bin Said, então com 29 anos. Qaboos havia recebido formação escolar na Índia e formação militar para oficial na Academia de Sandhurst no Reino Unido. A fotografia abaixo, com o jovem Sultão (de binóculos) no terreno torna-se simbólica da inflexão que então se procurou dar à contra-insurreição. Nesse sentido, as Forças Armadas omanitas recorreram à contratação de oficiais de origem britânica, paquistanesa ou indiana.
Para um conflito desta natureza era um de pequena dimensão. Num território com uma área um pouco superior à de Portugal continental (100.000 km²) enfrentavam-se 12.000 soldados e cerca de 2.000 rebeldes¹. Com excepção da região litoral (e aí apenas durante a época da monção) o terreno é árido e extremamente acidentado o que facilitava as incursões dos rebeldes vindas do Yemen. A população (abaixo), que naquela época se cifraria em cerca de 70.000 habitantes, organizava-se em tribos semi-nómadas desde os tempos ancestrais.
Houve porém características que o tornaram peculiar, senão único. A questão política do colonialismo que atravancou a maioria dos conflitos desta natureza (a começar pelos três em que Portugal se envolveu…) não tinha aqui cabimento. Não havendo necessidade de cuidados com esse aspecto político do conflito, pôde assumir-se que ele contou com a participação aberta de mercenários a combater pelo lado governamental: os britânicos reconhecem que sofreram 24 mortos e 55 feridos, alguns deles militares contratados directamente pelos omanitas.
Mais do que o reforço adicional de um contingente de 2.000 iranianos que chegou em princípios dos anos 70 terá sido paradoxalmente a crise petrolífera de 1973 a precipitar o fim do conflito. Como estado produtor, Oman passou a dispor de um aumento súbito de receitas que pôde alocar aos programas de conquista das simpatias da população civil, até aí muito condicionados com os gastos com as operações militares. Em 1976 o Sultão Qaboos anunciou formalmente a vitória na guerra embora os incidentes se prolongassem até 1979.
Ao Serviço do Sultão é um livro de memórias de um ex-oficial escocês, veterano deste conflito que foi subalterno de uma companhia de tropas omanitas. É engraçado compará-las com outras de ex-oficiais portugueses seus contemporâneos que comandaram unidades de tropas africanas.
¹ Para comparação, no TO da Guiné chegaram a enfrentar-se o triplo dos soldados (36.000) com o triplo dos rebeldes (6.000), num território três vezes menor (36.000 km²)… mas perante uma população que era 7 a 8 vezes superior!
Acho estranho o meu caro utilizar os vocábulos anglófonos Oman e Yemen quando existem os nossos bons e velhos Omã (ou Omão) e Iémen.
ResponderEliminarCumprimentos!
Não ache estranho. "Os nossos" vocábulos podem ser "velhos" mas não são "bons", desdobrando-se as opções para designar aqueles dois países por Omã ou Omão (como assinala) e ainda por Iémen ou Iémene ou ainda Iêmen, na versão do português sul-americano.
ResponderEliminarOra, confesso que, por muito traidor da língua pátria que possa parecer, prefiro dedicar a minha atenção às controvérsias do que se terá passado na história desses dois países, do que à forma mais correcta de os designar. O inglês - o idioma da maioria dos livros que leio sobre estes países - leva-nos essa vantagem: ali Yemen é sempre Yemen e Oman somente Oman.
Que me perdoe JGP, mas há momentos em que penso que "os nossos bons velhos" eruditos, por incapacidade de se concentrarem na substância dos problemas, gastam as suas energias em controvérsias superficiais - os pentelhos do Dr. Catroga.
Cumprimentos!