Chamo a atenção para quanto é cerrada a batalha que se está a travar entre os assessores do primeiro-ministro quando se esmeram em pô-lo a dizer fórmulas exculpatórias redigidas a pisar o risco da fronteira da mentira. Os adversários da assessoria de Passos Coelho são as memórias daqueles a quem estas cuidadas fórmulas se dirigem. Os de memória mais persistente ainda se lembram do que aconteceu há quatro anos e do acolhimento prestado à chegada de Vítor Gaspar à pasta das Finanças¹. Mas há muitos que tendem a esquecê-lo. Ainda assim, os mais elaborados perguntar-se-ão porque um tão aureolado ministro não corrigiu as contas – afinal mal feitas – do memorando da tróica, dado que a gestão do cumprimento das metas nele traçadas lhes competia (apreciem acima a dupla tão feliz apesar de lavrarem no erro). Mas também há muitos que já se esqueceram do quanto o cumprimento do memorando foi um fiasco. E os defensores das teses mais conspiratórias decerto acrescentarão que, se o desacerto das contas fosse coisa grave para os avaliadores do cumprimento do programa, o FMI, um deles, não teria contratado Vítor Gaspar depois deste ter abandonado a sua pasta ministerial a meio percurso. Suspeito que o que os assessores de Passos Coelho já se devem ter apercebido, pela leitura das sondagens (das outras, das que não vale a pena publicar), é que haverá uma percepção alargada na opinião pública que o programa do memorando – cumprido mais ou menos, falhado numa porrada de metas – foi inconsequente e não teve as virtudes purgantes que se haviam anunciado. Que eles, bem como os seus antecessores arribados entretanto a outras paragens, haviam anunciado. Daí esta inflexão. Tendo ido para além das medidas da tróica mas também para além do Pedro bíblico, este Pedro parece-me disposto a renegar tudo e mais alguma coisa e muito mais do que três vezes antes do galo cantar no dia das eleições.
¹ Remeto (para não me repetir) para um texto anterior onde recordo os elogios prévios a Gaspar feitos há quatro anos por Durão Barroso, Vítor Constâncio, Carlos Tavares, Vítor Bento, Silva Lopes, Faria de Oliveira, e também Guilherme de Oliveira Martins, Medina Carreira, Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite (com estes últimos nomes relembra-se quanto essa coisa de não querer ser reservado nestas ocasiões nem parecer amigo da onça pôde conduzir-nos a situações embaraçosas).
"Sei que sabe que eu sei"...
ResponderEliminarTanto se apercebeu que, poucos meses decorridos, já toda essa malta bem instalada e com palco vociferava contra os cortes que ele teimava em fazer. E o homem foi prosseguindo, contra tudo e contra todos, mesmo vozes de senadores dos partidos que suportavam o Governo, até se consciencializar que, a não ceder, seria o próprio Governo a desmantelar-se.
Como já alguém me respondeu, dado que o “caminho alternativo” nunca foi tentado (para despeito e indignação de um inflamado Nuno Santos) é sempre possível especular que estaríamos muito melhor se tivéssemos seguido outra política, que não a do submisso Gaspar, que tanto e tão desnecessariamente nos humilhou e fez sofrer.
Talvez nunca devêssemos ter perturbado a sábia e séria estratégia do Engenheiro Pinto de Sousa, que tão maravilhosamente nos estava a conduzir. Talvez merecêssemos um Varoufakis e não um Gasparzinho. Talvez fôsse nosso dever e conveniência termo-nos aliado às reivindicações gregas, proclamando-as bem alto. Mas, chegados a este vale de lágrimas, novamente pobres e isolados, talvez o antigo nr. 2 do Pinto de Sousa, homem de convicções, nos faça finalmente regressar ao bom rumo que ingloriamente abandonámos. E é bem possível que com ele até o TC ajude e comece a interpretar princípios constitucionais à luz da realidade chamada euro, uma moeda a que aderimos por vontade própria e cuja valorização não dominamos. Há que ter esperança! O Dr. Costa já foi falar com “son ami” Hollande e tudo leva a crer que ambos têm um plano já gizado para colocar imediatamente o risco da dívida soberana portuguesa ao nível da francesa (cuja tendência é muito favorável).
A intenção do meu texto era chamar a atenção que o novo discurso de Passos Coelho das "contas mal feitas" atropela lógica e retroativamente a reputação de Vítor Gaspar, considerando o que foram as inflexões do discurso oficial do governo nestes últimos quatro anos.
ResponderEliminarSobre isso, não me parece ver grande refutação no comentário - pelo menos na primeira parte. Na segunda parte do comentário, na realidade 60% dele, fala-se de Sócrates. Tempos difíceis estes em que é difícil ser-se governamental: é muito mais prático ser-se da oposição à oposição.
Os problemas de Passos Coelho explicam-se por causa de Sócrates. Pena que o raciocínio não se estenda mais para trás: a um parágrafo mais desenvolvido sobre Sócrates e porque os problemas dele se explicarão também decerto por causa de Barroso e Santana Lopes, escrever-se-ia uma página completa sobre as malfeitorias daquela dupla. Mas como os problemas deles têm que ser vistos em perspectiva, essa página seria complementada com um capítulo sobre as culpas de Guterres. E estas teriam uma justificação num livro completo sobre as malfeitorias perpetradas por Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro.
Olhe que não…
EliminarOs problemas de Passos Coelho (além dos que ele próprio cria) são os mesmos que o Sócrates herdou e que infelizmente agravou: o país que somos e os Dâmasos Salcede queirosianos que o povoam.
Enveredar por uma retrospectiva histórica também não nos deterá em Cavaco porque há muitos e piores antes dele. Não sei se chegaríamos a Afonso Henriques mas, com um breve ressalto em D. João V (época em que se terá vivido um apurado momento guterrista), somos bem capazes de recuar até um esquisito D. Sebastião.
A minha intenção também não era chamar a atenção sobre Sócrates mas sim para os que se aprestam em suceder-lhe. Ainda que me queira convencer que as alterações de discurso do António Costa não são mais preocupantes que as do Passos Coelho, toda aquela sua entourage causa-me calafrios. Estou eu descansado com os Portas, os Relvas, os Marco António? Não, não estou. Em todo o caso, o escrutínio e a marcação a que todos eles estão constantemente sujeitos pelos diversos meios de comunicação, oposições e senadores (mesmo os do próprio partido) levam-me a crer que estarão razoavelmente refreados, coisa que antevejo muito difícil de ser feita com igual denodo caso os protagonistas fossem outros.
Nem de propósito, alguém engajado - neste caso contra Passos Coelho - foi recuperar citações suas de outrora a respeito do «acerto das contas»:
ResponderEliminar«O PSD quis "vasculhar tudo" para ter contas bem feitas e, "relativamente a tudo aquilo que o Governo não elucidou bem", procurou "estimar", preferindo fazê-lo "por excesso do que por defeito", referiu.»
«"Não será necessário em Portugal cortar mais salários nem despedir gente para poder cumprir um programa de saneamento financeiro, mas temos de ser efectivos a cortar nas gorduras", completou Passos Coelho.»
«"A verdadeira situação do país é muito pior e a 'troika' que está cá a nosso pedido sabe isso. E por isso é que as medidas que vamos ter de enfrentar são muito mais duras do que as que estavam no PEC IV, porque a verdadeira situação do país é muito pior", disse Passos Coelho, que defendeu que o problema não foi o chumbo do PEC IV.»
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1841312&page=-1
Que a situação era muito pior do que aquela que era revelada toda a gente sabia. O problema terá estado no "vasculhamento" que não terá sido suficientemente profundo e abrangente, da mesma forma que a "estimativa" não foi feita por excesso suficiente.
EliminarEm qualquer caso, o superintendente do vasculhamento, estimativa e acompanhamento da troika foi aquele senhor da "selfie" que aterrou depois na EDP. A fiabilidade das estimativas evidentemente comprometeu Passos Coelho que, como foi público e bem visível, pouco tempo depois já estava a ser confrontado com essas "mentiras". "Passolas é um mentiroso" virou "slogan", porventura para fazer esquecer o "nariz do Pinóquio". Até a Judite de Sousa se permitiu, com a sua enorme classe, confrontá-lo recentemente em entrevista televisionada com "a ideia de mentiroso que o país tem" dele.
Francamente, Teixeira, não consigo perceber este seu "nem de propósito" e a sua oportunidade. Nem de propósito, representa aquilo que sempre (e bem) aqui tem criticado no comportamento de "certos" jornais, blogues e redes sociais: o despropósito por ser velho e requentado. Uns mais do que outros, todos caímos um dia.
Concluo que acabámos de atropelar retroativamente o Catroga.
Rectificação: Mencionei erradamente o nome de Judite de Sousa quando pretendia referir-me a Clara de Sousa.
EliminarEste blogue irá completar 10 anos. E o escrutínio que por aqui se tem feito tem incidido primordialmente sobre a actividade governamental, que é muito mais poderosa e influente na comunicação social do que a da oposição. Independentemente de quem desempenhe esse papel. Durante os primeiros seis anos (2005-2011) o governo foi socialista. Daí para cá social-democrata/centrista (se quaisquer dessas designações ainda fizerem sentido).
ResponderEliminarEm termos de promessas, e só para dar um exemplo, recordo que José Sócrates prometeu que ia criar 150.000 empregos e nunca os criou; Pedro Passos Coelho prometeu que ia elevar o rating da nossa dívida pública e ela continua na mesma. Isto são fracassos no cumprimento de promessas - factualmente. A partir daqui tudo o que se possa acrescentar assemelha-se ao painel desportivo do programa de TV de segunda-feira.
Ora eu não gosto de discutir aquele género de futebol e não gosto de discutir política com um figurino daquele género de discussão de futebol.
Ora sobre Vítor Gaspar - é sempre ele que desencadeia esta resma de comentários discordantes... - que se pode dizer? Cumpriu o mandato ministerial? Não. Enquanto desempenhou funções atingiu os objectivos do programa de ajustamento? Não na maioria dos casos. Se a sua posição era insustentável, como sugere, porque é que não se demitiu logo de imediato? (Recorde-se aqui que, sob Sócrates, e quando descobriu que a sua aceitação da pasta das Finanças assentara em equívocos, em 2005 Campos e Cunha foi-se embora em dois meses!)
Que me desculpe A Costa, mas eu não sou como o famoso João Pinto que só tinha o coração só de uma cor: azul e branco.