Desde que o descobri faz já alguns anos como jovem falcão defendendo a política externa da administração Bush numa coluna do LA Times que Max Boot (1969- ) se descapotou e se aburguesou, apresentando-se com o ar respeitável da fotografia acima por ocasião da edição da sua mais recente obra Invisible Armies, cuja edição paperback (mesmo assim a um preço puxado: 24,78 € na FNAC), data já deste ano. Tendo por tema a história da guerrilha trata-se de um excelente livro que consegue aquele equilíbrio de não poder ser desdenhado pelos académicos mais presunçosos embora ainda seja de leitura acessível para os leigos. É um progresso em relação a um livro reputado, relativamente recente e sobre (quase) o mesmo tema, como Les Guerres Irrégulières: XXe – XXIe Siècles de Gérard Chaliand (2008).
O que não se pode ser esquecido enquanto se lê a obra é que Max Boot é, em primeiro lugar, norte-americano e, em segundo lugar, republicano hard-liner. E isso obriga-nos a rectificar continuamente os temperos à medida que se lê o livro, e recordando constantemente aquilo que lá não aparece, porque ao autor não lhe interessa nada (literalmente). Começando por um exemplo deste último aspecto, para aqueles que tiverem curiosidade em saber o que aparece no livro sobre as três guerras que Portugal travou em África, note-se que no índice remissivo a palavra Guiné-Bissau aparece apontada duas vezes, Moçambique três e Angola quatro; em contrapartida, só a expressão Al Qaeda no Iraque (há uma outra contagem especifica para a palavra Al-Qaeda propriamente dita...) tem uma dúzia de menções. E quanto ao primeiro aspecto, chegam a ser divertidos os contorcionismos de Max Boot para, enquanto narra a Guerra do Vietname, (não ter de) explicar porque, dispondo do contributo dos melhores teóricos (como David Galula, de quem aqui já falei) e dos melhores artífices (com provas dadas nas Filipinas como Edward Lansdale - desse ainda aqui não falei...) da contra-subversão de todo o Mundo, o envolvimento dos Estados Unidos na questão vietnamita (1954-1975), evoluiu como se viu e teve o desfecho que se sabe.
Contudo, mais do que um episódio ou um punhado de outros três de um império colonial de uma potência mediana como a nossa, torna-se indiscutível o valor do quanto a organização do livro nos ajuda a pensar o fenómeno do aparecimento das guerras subversivas e da forma de as contrariar. Sendo um livro que se pretende de uma abrangência histórica, torna-se evidente com a sua leitura quanto o critério escolhido para seleccionar uns episódios em detrimento de outros (é o caso dos três que nos dizem mais directamente respeito) pode ser contestável. Mas também há que reconhecer que seria sempre assim, qualquer que fosse o critério escolhido. Nos 130 comentários que o livro já recolheu na página da Amazon, há lá objecções a omissões e inclusões de episódios históricos de guerrilha para todos os gostos. Mas os comentários que me deixaram pensativos foram aqueles (poucos) que questionaram a definição e o âmbito do tema que Max Boot se propôs abordar.
A nossa tendência para as classificações tende por vezes a forçá-las a assumir formas que o desenvolvimento dos conhecimentos mostra depois não serem as mais adequadas. Lembro-me que já aqui neste blogue falei à época do caso da reclassificação de Plutão que, de planeta mais longínquo do Sol foi rebaixado a planeta-anão mais próximo do Sol. Mas, para que o paralelo com estes casos das guerras subversivas seja mais evidente, é preferível utilizar o exemplo do Cancro, doença de todos conhecida, contra a qual se costuma dizer que se trava uma batalha. Na verdade não se travará uma, mas inúmeras batalhas em dispersíssimos campos de combate, contra adversários que, por razões práticas e científicas, passaram a ser normalmente identificados pela localização do tumor original: mama, próstata, pulmão, colo-rectal, etc. As taxas de sucesso dos tratamentos de cada caso podem variar (apenas dois exemplos) dos 84% a cinco anos no caso do linfoma de Hodgkin (um tipo de cancro do sistema linfático) aos terríveis 6% (no mesmo período) no caso do carcinoma do pâncreas. Uma definição do que pode constituir uma vitória nestas variadas frentes de combate depende assim (e muito) das circunstâncias.
Como um
tratamento contra um cancro, a história de uma subversão dependerá do local
onde teve lugar, do estado geral da sociedade nesse momento, do momento em que foi identificada pelos poderes,
de inúmeros outros factores cuja transposição não será tão imediata como estas
mencionadas. Por outro lado e para citar apenas alguns exemplos de guerras subversivas
apresentadas em Invisible Armies, os britânicos bem podem apresentar a sua retirada da Malásia como um sucesso, mas como é que isso pode ser comparável com o que aconteceu na Argélia com os franceses, se estes não tinham a intenção de descolonizar? A vitória britânica na Malásia só pode ser apresentada como tal porque as expectativas do que os britânicos poderiam obter politicamente da situação eram, desde o princípio, mínimas: uma saída digna. Se os franceses a isso se dispusessem teria, pelo menos, havido uma outra Guerra da Argélia. Será também importante destrinçar quando quem tenta travar a subversão é a potência colonial, e os objectivos a que esta poderá aspirar, ou é uma superpotência voluntariosa (como os Estados Unidos no Vietname ou a União Soviética no Afeganistão), e os objectivos específicos – mas mais flexíveis – delas. Será indispensável considerar também o poder estratégico da potência envolvida, que é quase tão importante quanto a intensidade da subversão. Portugal, embora praticamente omitido no livro, seria um peso pluma nessa classificação. Em suma, assemelhando-se ao que no parágrafo acima descrevi a respeito dos variados cancros, por detrás de uma mesma designação genérica de guerrilha e de subversão, haverá decerto especificidades na classificação (e teria havido certamente especificidades nos tratamentos possíveis) que teria sido preferível incluir nas análises comparativas produzidas pelo livro de Max Boot. E um livro tão sistemático padece disso.
Só uma adenda sobre Plutão: ele é o segundo planeta-anão mais perto do Sol. O mais perto é Ceres, na cintura de asteroides.
ResponderEliminarNão o era no Verão de 2006 quando a questão da reclassificação dos planetas foi levantada e eu me referi aqui a ela no blogue, conforme a ligação que fiz neste poste.
ResponderEliminarNão sei se foi consultar o que então escrevi antes de colocar este seu comentário mas o que desencadeou a necessidade da reclassificação fora a descoberta recente de outros corpos celestes de dimensões apreciáveis para lá da órbita de Plutão que, como este, não descreviam órbitas complanares com as dos oito planetas principais, hoje baptizados de Plutoides.
Como também lá vem explicado nesse poste, Ceres, que já havia sido descoberto em 1801, tem uma história completamente diferente, classificado inicialmente como um pequeno planeta numa órbita complanar e intermédia entre Marte e Júpiter, até se perceber que era apenas o maior de uma família de corpos celestes semelhantes - os asteroides.
De entre as propostas na mesa, no final, a classificação acabou por se estabelecer baseando-se na dimensão dos corpo celestes, juntando o maior dos asteroides (Ceres) com alguns plutoides.
A sua adenda acaba por revelar-se uma excelente ocasião para que eu explicasse mais detalhadamente aquilo que, por acessório, remetia para um poste que eu escrevera há 7 anos e que não era importante para a exposição, que o essencial era mostrar as complexidades e insuficiências de um processo de classificação, não o seu resultado.