Certo noite da década de 1830, numa festa de um salão londrino, William Lamb, Lorde Melbourne (1779-1848), então ainda secretário do Interior mas em vias de se tornar, dentro em pouco (1834) primeiro-ministro britânico, terá sido apresentado a um jovem romancista prometedor de ascendência judaica, que o terá impressionado pela atitude de uma ironia permanente, também por se exprimir de uma forma simultaneamente eloquente embora empregasse uma linguagem a que o autor parecia procurar dar deliberadamente um exotismo oriental. Contudo a passagem mais famosa do diálogo então travado terá acontecido quando o político, da sua experiência madura de cinquentão terá perguntado condescendentemente ao seu interlocutor o que pretendia vir a ser: – Primeiro-Ministro, my lord – terá sido a resposta do atrevido, quase insolente, Benjamin Disraeli (1804-1881). E, como costuma acontecer nestas histórias premonitórias que parecem sempre bonitas demais para terem realmente acontecido, Benjamin Disraeli veio efectivamente a tornar-se primeiro-ministro 34 anos depois de Lorde Melbourne, embora pelo partido rival (tory) do do seu interlocutor (whig).
O que tornou o episódio plausível para a posterioridade é que o jovem – ainda não teria 30 anos - Disraeli já compreendera que era preferível que troçassem dele a passar despercebido. Era uma lição velha de 24 séculos: da Atenas do Século V a.C. ficara a lenda de Alcibíades que mandara cortar o rabo ao cão para que, à falta de outro assunto, se continuasse a falar de si. Na Londres do Século XIX, o jovem Disraeli cultivava a sua imagem bizarra, envergando coletes de veludo e cintilante de jóias (falsas), mas ao mesmo tempo pleno de distinção e de um autodomínio tipicamente britânico, para melhor vender as suas novelas, a sua fonte de rendimentos. Estava ciente que um intelectual, para ser reconhecido como tal, tem de se dedicar a essa actividade tão pouco intelectual de se promover. E essa publicidade (no sentido que a palavra possui na língua inglesa), mesmo nas suas conotações negativas, tornou-se fundamental para lhe criar uma personalidade quando Disraeli começou a sua carreira política como deputado a partir de 1837. Essa carreira política havia posteriormente de o levar a ocupar a pasta das Finanças e ao nº11 de Downing Street (1866-1868), a liderar a oposição nos seis anos que se seguiram (1868-1874) e a ocupar finalmente o nº 10 daquela mesma rua, a residência oficial do primeiro-ministro, durante a meia dúzia de anos que se seguiram, precisamente aqueles onde se assistiu ao apogeu do poder do Reino Unido enquanto potência mundial.
Actualmente, aquando das referências à importância histórica de Benjamin Disraeli os seus primórdios como autor literário são tratados (se o chegam a ser) casualmente, como se se tratassem de um fait-divers da sua preenchida vida. Uma síntese do valor a atribuir à sua importância literária nas letras inglesas ficar-se-á por um meio caminho, que considera simultaneamente exagerado qualificar Disraeli como um escritor de primeira categoria mas também não pode sustentar que a obra de Disraeli mereça ir para uma espécie de caixote do lixo dos autores dispensáveis dessa primeira metade do Século XIX. Ao escolher os temas das suas obras – as mais bem-sucedidas foram Coningsby (1844) e Sybil (1845) – Disraeli demonstrou sempre uma intuição muito eficaz daquilo que constituiriam os interesses – ainda que superficiais – da sociedade que o rodeava, a ponto de lhes despertar a atenção para que lhe comprassem os livros. Foram best-sellers, ainda hoje são legíveis (por quem se disponha a isso), mas o seu estatuto não passará daí. Mas deram-lhe a visibilidade – hoje dir-se-ia mediática – para se destacar publicamente e facilitar a sua ascensão desde backbencher.
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