Maurice Gamelin (1872-1958) era o comandante-chefe do exército francês quando começou a Segunda Guerra Mundial e, evitando um erro que os Aliados haviam demorado três anos a resolver no conflito precedente, rapidamente se tornou no generalíssimo do comando unificado responsável pelos exércitos anglo-franceses do Teatro de Operações da Europa Ocidental. Foi sobre a sua responsabilidade que se prepararam as operações para a eventualidade de um ataque alemão. Este teve lugar em Maio de 1940, depois de oito meses de preparativos para o conter. E culminaram com a derrota da França, um mês depois. Dirigido pelo Marechal Pétain, o regime de Vichy que nasceu imediatamente depois dessa derrota, veio a organizar um julgamento, conhecido por Processo de Riom, onde se procuraram encontrar as causas e julgar os responsáveis por ela, embora houvesse no gesto uma intenção política mal disfarçada, constatando-se a presença dos adversários políticos de Vichy no banco dos réus.
O processo correu muito mal para o regime. Iniciadas em Fevereiro de 1942, as sessões do julgamento foram sendo noticiadas com cada vez mais discrição por Vichy até à sua suspensão completa dois meses depois de iniciadas as audiências. Apesar de serem os alvos principais, os políticos da III República como Léon Blum (1872-1950), Édouard Daladier (1884-1970), Paul Reynaud (1878-1966) ou Georges Mandel (1885-1944), conseguiram facilmente demonstrar que o co-réu Maurice Gamelin, nos seus oito meses como generalíssimo do Ocidente havia disposto do tempo suficiente para ter identificado as deficiências que se haveriam de revelar fragorosamente em combate, além de que, pela sua especificidade, eles não haviam interferido com a condução das operações militares. Na verdade, centenas de depoimentos de camaradas de armas de Gamelin podiam eximi-lo das culpas directas pela derrota mas não da sua responsabilidade global pelo fracasso das armas francesas. Maurice Gamelin passou à história...
Aquilo que nos parecerá evidente quando protagonizado por generais pode – com uma valente dose de facciosismo político e outra de corporativismo profissional – deixar de o ser quando acontece com governadores (no caso do banco de Portugal). É verdade que à afirmação que a supervisão bancária não é um sistema de investigação de crimes financeiros se pode responder com uma platitude equivalente lembrando que o domínio das ciências militares não é garantia absoluta de vitória em todas as guerras. E acredita-se que Constâncio possa ser uma pessoa de uma extrema competência profissional, assim como Gamelin também o mostrara ser durante a Primeira Guerra Mundial. Mas o que Gamelin e os militares em geral parecem possuir que os macroeconomistas de banca central não parecem ter (nem sequer desejo disso...) é a fatalidade de terem de assumir a responsabilidade pelos seus fracassos. E isso é uma verdade que as cartas inteligentemente redigidas por colegas prestáveis não pode esconder…
Já aqui assinalei quanto considero despropositada esta ressurreição da polémica à volta do desempenho de Vítor Constâncio no caso BPN. O que não invalida quanto reconheço quão poderosos mostram ser os clãs postados de cada lado da barricada. E de como ninguém gosta de conceder a última palavra ao oponente, nem que seja só para fazer mais um bocadinho de barulho. Pode-se ser ainda um pouco mais substantivo e contribuir com mais uma achega, ainda a pretexto dos contrastes de carreira do malogrado general Gamelin com a do bafejado governador Constâncio. Constate-se, só para exercício, o que quão seria despropositado que, após a Segunda Guerra e com a fundação da NATO, Maurice Gamelin (um general competente, mas vencido...) fosse convidado para se tornar o 2º Comandante da estrutura militar daquela organização… Pois bem, recorde-se que Vítor Constâncio é vice-presidente do BCE… e com o apoio incondicional da bancada do PSD, para quem andar esquecido desses pormenores.
A responsabilidade de Vítor Constâncio, enquanto Governador do BP é indesmentível, tal como aqui é demonstrado. Mas o que também é evidente é a barragem mediática e manipuladora que houve, desde o início deste processo, e que se reacende ciclicamente, para desviar as atenções daqueles que actuaram ilicitamente e fora da lei para quem teve a responsabilidade máxima da Instituição.
ResponderEliminarTambém é verdade que, por muito competente que seja Vítor Constâncio, não se compreende a sua nomeação para Vice-Presidente do BCE aliás, como é também lembrado neste post, com a unanimidade e aclamação do PSD.
Há alguns anos atrás apreciei, e não mais esqueci, a forma e simplicidade que um então colega de profissão usou para explicar aos demais a diferença entre circuito económico e circuito financeiro. Na altura o exemplo de negócio escolhido foi a venda de laranjas. Tratar-se-ia de um negócio bastante lucrativo e, por isso mesmo, entusiasmou o negociante a ampliá-lo, aumentando as compras e o número de clientes, bem como os meios que possibilitassem esse crescimento: Trabalhadores, camiões e o competente crédito para os investimentos... A margem do negócio parecia dar para tudo! Eis senão quando os clientes começam a alargar os prazos de pagamento...
ResponderEliminarNão conseguindo repercutir os mesmos aumentos de prazo nos seus pagamentos ao produtor, rapidamente o lucrativo circuito económico foi neutralizado e vencido pelo financeiro, e aquele que fora um bom negócio passou a negócio falido.
Vem-me esta recordação a propósito do presente poste. Claro e conciso, a pretexto de maçãs, exprime o pensamento do autor não deixando de ser abrangente e imparcial.
a referencia a "apoio incondicional" é de grande poeta. faz surgir a imagem nitida só com duas palavras.
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