24 agosto 2012

QUASE, QUASE O SOCIALISMO...

Mesmo depois de 20 anos, ainda não me cansei de achar piada à forçada conversão de 1991 dos comunistas à espiritualidade dos seus ideais – como Cristos tardios, proclamando que o reino deles afinal já não era deste mundo… Isso depois de décadas a ouvi-los propagandear as excelências concretas do socialismo soviético e das suas cópias leste europeias. Ainda um dia destes, numa daquelas admissões cuidadosamente redigidas cujo fundo se costuma inspirar numa famosa canção de Piaf, um deles escrevia: Uma nódoa mais a somar aos milhares de nódoas de conspurcaram os ideais que defendo e que chegaram a estar (quase) em vigor na União Soviética. A palavra-chave ali, de uma verdadeira intensidade poética, é: quase. Se o assunto fosse menos espiritual, o Samuel, autor das tais palavras, bem nos poderia ter precisado em que período é que ele crê que a União Soviética esteve assim tão perto da sua sociedade ideal: sob Stalin, no tempo de Krushchev ou na Era Brejnev?...

Enfim, como tudo isto é muito espiritual, Sá Carneiro (o Mário!) é que parece ter percebido bem o dilema, com este seu poema intitulado precisamente Quase 
 
Um pouco mais de sol eu era brasa,
Um pouco mais de azul
eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho
ó dor! quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
Ai a dor de ser quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol
vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol
e fora brasa,
Um pouco mais de azul
e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

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