A
Festa do Pontal foi criada sob o cavaquismo. Criou-se depois uma lenda retrospectiva que ia buscar a legitimidade da reunião aos anos difíceis de 1976 e a Sá Carneiro. Nunca
vi essa lenda ser devidamente escrutinada, mas não creio que esse escrutínio
interesse verdadeiramente a alguém. O sucesso inicial do evento do Pontal dever-se-á
à convergência de três interesses. O das estruturas distritais do PSD,
aproveitando o facto de Cavaco Silva ser algarvio e ali passar as suas férias,
que promoviam uma festa popular que consolidava a sua imagem interna no partido. O do
circo da comunicação social, que via na festa uma espécie de oásis no meio do
deserto informativo de notícias sérias que costuma grassar por todo o mês de Agosto.
E finalmente o da máquina de propaganda governamental que começou a tomar conta
da festa para passar uns recados.
Alguns
desses recados eram simples, multifuncionais (aplicavam-se tanto ao militante social-democrata
quanto ao cidadão comum) e eram feitos mais de imagem do que de substância.
Cavaco Silva começou por discursar num palco acompanhado de uma retaguarda de
militantes destacados do partido, a copiar, paradoxalmente, a cenografia tradicional dos comunistas. O que o aparelho governamental fez foi substituir
progressivamente esses militantes que se destacavam lá das paróquias algarvias pelos
notáveis, esse conceito tão genuinamente social-democrata, o das pessoas conhecidas por serem conhecidas. Os tais de notáveis notabilizavam-se por exibir bronzeados que se coadunavam com a imagem de sucesso que era a
essência da mensagem do cavaquismo. O notável João de Deus Pinheiro, por exemplo,
mostrava-se inexcedível nesse tipo de militância…
E tanto a Festa do Pontal se havia transformado num marco mediático do
cavaquismo que o PS, para as eleições de 1995, o foi disputar directamente
convocando uma Festa da Pontinha rival a umas escassas centenas de metros de
distância. Para a história ficou que o PS ganhou as eleições legislativas desse
ano mas que o PSD ganhou a batalha das festas rivais. Nos anos seguintes, num registo
cada vez mais desajustado com a ascensão progressiva da nova prosperidade guterrista, a festa repetiu-se. Houve um dirigente do PSD que a
tentaram substituir por outra de cariz idêntico mas noutro local: Durão Barroso, que a quis transferir para a Póvoa do Varzim. E houve outro
que a pretendeu esvaziar de conteúdo, abstendo-se de lá comparecer - Manuela
Ferreira Leite, substituída na altura por Ângelo Correia, o homem da cataplana.
Assim,
quando o seu pupilo, actual primeiro-ministro, se pôs ontem ali a discursar, já
esta Festa do Pontal tem um historial por detrás de si. Ademais, ela já foi
transplantada de Faro para Quarteira e já foi transformada de acontecimento
aberto a um a que só se acede por convite. Mas o discurso de Passos Coelho, que
se pretende agora ser de ruptura com o passado – …que (já não) podemos, como era dantes, saciar as
elites com dinheiro e o povo com promessas… – torna-se num anacronismo quando se recorda os fantasmas desse
passado. Foi naquelas mesmas circunstâncias que um seu antecessor – actual Presidente
da República – proclamou que Portugal já integrava o pelotão da frente da
Europa. O que é feito de tal integração? Enfim, só seria caricato se o que se diz na Festa do Pontal fosse algo mais do que um sucesso de Verão já esquecido no
Verão seguinte…
Nota
final: Embora presente na Festa do Pontal não se deu pela presença de Miguel Relvas. Provavelmente está a resguardar-se enquanto se prepara para os exames da segunda época em Setembro…
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