06 agosto 2012

A TELEVISÃO SOB A SUÁSTICA

Lembro-me que um dos meus desapontamentos com Fatherland (acima), uma história de ficção já com 20 anos passada em 1964 numa Europa alternativa em que a Alemanha triunfara na Segunda Guerra Mundial, foi a incapacidade de Robert Harris em criar uma sociedade europeia dos anos 60 que fosse alternativa mas credível, sob a égide da Alemanha e do pensamento nazi. Para dar apenas um exemplo, o Adolf Hitler ficcional da obra, com 75 anos de idade, mais de 30 de poder e ainda por cima vencedor da Segunda Guerra Mundial seria figura venerada, mesmo endeusada em toda a Europa, fenómeno natural nas ditaduras. Mas Harris preferiu esbater esse aspecto mais do que plausível do desenvolvimento do culto de personalidade de Hitler, provavelmente para não despertar a hostilidade do leitor médio e assim prejudicar de algum modo o sucesso comercial do livro.
20 anos passados e vim a encontrar algo que se poderá assemelhar a um cheirinho – muito mais conseguido – dessa modernidade alternativa sob o nazismo num documentário muito interessante que encontrei no You Tube. Trata-se de um documentário de quase uma hora, que data já de 1999, e que analisa os conteúdos e a evolução da televisão alemã (acima) durante o período do nazismo – de 1935 a 1944.
Como se percebe pela data (1935) a Alemanha foi pioneira a emitir regularmente programação televisiva. Relvando isso, numa outra obra de ficção (Contacto), Carl Sagan põe os extraterrestres inteligentes a retransmitir para a Terra os primeiros sinais que eles haviam recebido da nossa existência – e tratava-se do discurso proferido por Adolf Hitler quando da abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936!
No documentário, pode-se ver que essas reportagens televisivas da época mostram-nos um Adolf Hitler vulgar, surpreendentemente humano, quando em contraste com os filmes épicos a seu respeito (como O Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl). Na fotografia acima, retirada da reportagem televisiva da sua chegada a outro Congresso nazi, o carro está mal enquadrado e é o próprio Hitler que abre a porta para sair…
Observando a cena, aquilo faz lembrar a casualidade que os políticos modernos tentam aparentar à frente das câmaras de televisão. E se a ousadia não pôde ser levada ao ponto de interpelar o próprio Führer (e será que hoje se pode interpelar livremente Obama ou Putin?...), há dignitários do III Reich mais jovens e modernos como Albert Speer que se dispõem a uma entrevista falsamente casual ao volante do seu automóvel.
Há no documentário vários momentos caricatos de propaganda de um estado simultaneamente autoritário e totalitário. Mas o seu conteúdo, apesar da televisão alemã estar ainda na infância da arte e de se tratar de um organismo deferente para com o poder estabelecido, parece-nos estranhamente moderno, o que torna ainda mais incomodativo um episódio como o das mensurações (acima) para se aferir da conformidade com a raça.

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