21 agosto 2012

DOS SACRIFICADOS DE GALÍPOLI AOS «JARDINEIROS» DE SALÓNICA


A Campanha de Galípoli (entre Abril de 1915 e Janeiro de 1916) é um dos episódios colaterais mais conhecidos da Primeira Guerra Mundial. Tornou-se um momento épico para australianos e neozelandeses que pela primeira vez se viram envolvidos num grande conflito. Fez-se um filme a esse respeito (acima), onde se mostra como se tratava de um esforço inglório porque se estava numa situação de impasse táctico. Houve que abandonar a ideia e evacuar as tropas ao fim de 9 meses. O comandante do corpo expedicionário, Ian Hamilton, caiu em desgraça. E o grande animador da campanha e da ideia da ruptura estratégica pelo flanco mediterrânico, Winston Churchill, então Primeiro Lorde do Almirantado, demitiu-se. Last but not least, permitam-me o aparte, o assunto já foi aqui abordado no Herdeiro de Aécio. É assim que esta história costuma terminar. Mas não a História das tentativas da Entente Cordiale para renovar a estratégia de atacar o bloco inimigo pelo flanco mediterrânico …
Uma parte do contingente que fora evacuado de Galípoli veio a ser transferido para Salónica, cidade no Norte da Grécia. Churchill podia ter-se demitido, mas restavam muitos outros, agora sobretudo em França, que ainda defendiam a valia da estratégia que fracassara em Galípoli – veja-se a seta azul no mapa acima (que pode ser ampliado). Mas ao escolher Salónica, os promotores da continuidade criaram um novo problema, este de natureza política: a Grécia declarara-se neutra quando da eclosão da Guerra e a instalação do contingente anglo-francês violava essa neutralidade. Aliás, o país debatia-se entre a facção pró-Entente do 1º Ministro Venizelos e afacção oposta, dos seus adversários políticos, embora encabeçada pelo rei Constantino, que era cunhado do Kaiser - embora qualquer das facções não tivesse capacidade de se opor à ocupação de Salónica, transformada numa grande base militar da Entente. Os franceses, que entretanto se haviam assenhorado do projecto, e que por essa época começavam a lutar com falta de efectivos, pretendiam usá-la agora para equipar e instruir um novo exército dos exilados sérvios…
Na verdade, lutando contra a falta de efectivos, a imagem de marca das guarnições aquarteladas em volta de Salónica veio a ser a sua heterogeneidade. Não era só uma questão de multiplicidade de comandos: francês, britânico, sérvio, italiano, russo e mais tarde grego, quando o país entrou finalmente na Guerra em Junho de 1917. Era quem servia sob esses comandos. Na fotografia acima e da esquerda para a direita podemos apreciar uma combinação de soldados de origem vietnamita, norte-africana, senegalesa, britânica, russa, italiana, sérvia, grega e indiana. O recurso a tantas tropas coloniais por parte das respectivas potências mostra o desgaste que a Guerra provocara na disponibilidade de meios humanos, embora a justificação oficial para o facto referisse as questões de salubridade do clima mediterrânico… O carácter compósito do comando e das tropas e a complexidade da situação política envolvente conjugavam-se para que naquela frente de guerra houvesse um grande frenesim sem que houvesse um correspondente produto militar. Por isso, as tropas eram designadas depreciativamente pelos jardineiros de Salónica
Na Primavera de 1917, já estavam estacionados em Salónica 220.000 homens sob comando britânico, 190.000 sob comando francês, 125.000 sérvios, 40.000 italianos, 18.000 russos, ou seja, quase 600.000 efectivos, organizados em 24 divisões. Tornava-se imperativo desencadear uma ofensiva, tanto mais que, por essa mesma altura na frente ocidental, o General Nivelle desencadeava a Ofensiva que veio a levar o seu nome e que prometia a tão esperada ruptura da frente das trincheiras. Qualquer delas se revelou um fiasco. A de que agora tratamos, travada entre Abril e Maio contra os búlgaros nas linhas das alturas onde a neve ainda caía (aprecie-se por este pormenor as vantagens da adaptação climática de vietnamitas ou senegaleses…), teve aquela particularidade dos desastres militares das potências quando essas derrotas acontecem diante de países menores: ou não existem ou, a existirem, foi só porque os segundos contaram com a ajuda de outra potência, neste caso a Alemanha*. Apesar da má-fé, os factos falam por si: os búlgaros ganharam uma pausa de 16 meses…
Foi só em Setembro de 1918 que ali, como de resto em todas as outras frentes da Primeira Guerra Mundial, os exércitos da Entente começaram a progredir no terreno, e quando o fizeram, fizeram-no mais por causa da implosão da capacidade de combate dos Impérios Centrais do que pelo seu mérito militar (amplie-se o mapa acima). A Bulgária foi até o primeiro dos países vencidos a assinar um armistício, ainda a 29 de Setembro de 1918 – a Alemanha só o faria daí por 6 semanas. Mas, no seu cômputo global, o desempenho político e militar das duas potências da Entente por aquelas paragens do Mediterrâneo durante a Primeira Guerra Mundial foi de uma embaraçosa mediocridade. Não surpreende o tratamento discreto - Galípoli aparte - que as suas Histórias nacionais posteriores vieram a dar àquela campanha…
* Também os franceses tendem a atribuir as suas derrotas na Guerra Peninsular ao exército britânico, não luso-britânico.

Sem comentários:

Enviar um comentário