Quando, há uns dois meses atrás, ainda fazia sentido disputar as consequências
do impacto e o sucesso dos resultados dos programas de austeridade preconizados
para os países resgatados, o exemplo precoce e supranumerário da Letónia
materializou-se de súbito na comunicação social, usado por responsáveis como a titular do FMI, Christine Lagarde, para querer mostrar, presume-se, o carácter
remunerador da adopção de tais políticas – veja-se abaixo o gráfico com a evolução
recente do PIB da Letónia. Houve quem respondesse em género, i.e., esgrimindo argumentos de cariz económico e financeiro sobre a especificidade letã, mas a
reacção que mais apreciei foi a que Dani Rodrik – por sinal um economista de
renome – publicou no seu blogue, qualificando a questão de política: tomei a
liberdade de traduzir os dois parágrafos finais dessa sua opinião.
A principal lição que retirei de tudo (da
visita à Letónia) é a necessidade de evitar criar generalizações fáceis que não
respeitem as peculiaridades de cada país. Os missionários de austeridade fiscal
estão certamente enganados quando dizem que a experiência da Letónia constitui a
prova decisiva que os keynesianos e os defensores da desvalorização monetária
estão errados. É muito cedo para considerar a experiência da Letónia um
sucesso. Todavia, também é muito cedo para considerá-la um fracasso. O ritmo de
crescimento actual pode continuar, caso em que a economia se mostrará progressivamente
cada vez melhor.
Porém, o que podemos dizer com toda a certeza é que o tipo de austeridade fiscal drástica que se mostrou viável na Letónia não seria possível em muitos outros países. Rimševičs e a sua equipa bem podem realçar que a política da Letónia foi um sucesso porque se encararam de frente os problemas e se implementaram as medidas fiscais com velocidade e determinação. Talvez. Mas também é verdade que se safaram à justa das consequências de terem subestimado o impacto das suas medidas. Anunciaram esperar uma queda de 10% do PIB em 2009, e em vez disso registou-se uma que era quase duas vezes maior. O verdadeiro segredo de seu sucesso é eles não terem apanhado com uma revolução.
Porém, o que podemos dizer com toda a certeza é que o tipo de austeridade fiscal drástica que se mostrou viável na Letónia não seria possível em muitos outros países. Rimševičs e a sua equipa bem podem realçar que a política da Letónia foi um sucesso porque se encararam de frente os problemas e se implementaram as medidas fiscais com velocidade e determinação. Talvez. Mas também é verdade que se safaram à justa das consequências de terem subestimado o impacto das suas medidas. Anunciaram esperar uma queda de 10% do PIB em 2009, e em vez disso registou-se uma que era quase duas vezes maior. O verdadeiro segredo de seu sucesso é eles não terem apanhado com uma revolução.
Cautelosamente, Dani Rodrik preferiu não se
pronunciar sobre as causas para que não tenha havido nenhuma revolução num país
onde as previsões de 2009 apontavam para uma queda do PIB de 10% e onde se
registou uma de 18%! Ali houve um erro de previsão capaz de banalizar os mais recentes desvios em linha de Vítor Gaspar – para os quais a paciência dos portugueses
se terá vindo a esgotar (ou pelo menos o comportamento recente do primeiro-ministro assim o indicia). Contudo, com a mesma cautela de que Rodrik deu mostras, gostaria
de realçar um aspecto importante da realidade letã que não vi referido até
agora, aspecto esse que é capaz de contribuir para identificar um aspecto importante da especificidade letã e que até se explica com a ajuda de um ou dois gráficos, tão ao gosto dos
economistas: a Letónia está a implodir demograficamente!
Como se pode observar, desde 1991, o ano do
desaparecimento da União Soviética, a Letónia já diminuiu a sua população em 22%.
Trata-se porém de um fenómeno que só parece preocupar parcialmente as autoridades letãs pelo aspecto do envelhecimento da população. Numa outra perspectiva, a diminuição
tem incidido sobretudo sobre a população russa que vivia na Letónia, o que
permitiu que os letões, mesmo não aumentando em número (veja-se abaixo), tenham
passado nos 20 anos entretanto decorridos, de uns preocupantes 52% para uns
mais robustos 62% da população total do país. Aliás, a questão linguística é levada a
um tal extremo na Letónia que apenas o letão é considerado idioma oficial do
país, embora o russo seja a língua materna de 37,5% da população da
Letónia (de acordo com o censo de 2000). Contudo, de 1995 para 2006, e só para exemplo, a percentagem de alunos a estudar em letão passou dos 60 para os 73%. Estes, com muitos outros, adivinham-se
ser indicadores de uma reengenharia social deliberada para anular os efeitos dos
anos de sovietização. Para os letões étnicos poder-se-á tratar de um desígnio estratégico. Onde, possivelmente, uma austeridade extrema não parecerá ser tão anómala quanto noutras paragens da Europa...
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