O país onde se passou esta história é Malta, um pequeno país mediterrânico sobre o qual normalmente pouca coisa se sabe, a não ser que tinha uma selecção de futebol que costumava levar umas cabazadas nos jogos internacionais e que entretanto aprenderam a não deixar entrar tantos golos… Em 1987, num dos momentos mais embaraçosos da nossa história nacional recente, a selecção portuguesa chegou a empatar em casa com a equipa de Malta: 2-2. A bem da verdade esclareça-se que, na década de noventa, a nossa selecção recuperou a tradição de lhes enfiar os 4-0 e 5-0 da praxe…
Malta é um daqueles países que até está judiciosamente localizado. Olhe-se apenas para o mapa do Mediterrâneo central (acima) e dispensam-se grandes explicações sobre a sua importância estratégica. Depois de quase 270 anos de administração pela Ordem dos Hospitalários (também designada por Ordem de Malta) como bastião contra a ameaça naval turca, foi durante o período das guerras napoleónicas que a Grã-Bretanha se apoderou do arquipélago que entretanto havia caído sob controlo francês (1800). A sua localização e os seus bons portos fizeram de Malta a sede natural da frota britânica do Mediterrâneo.
A importância de Malta aumentou ainda mais com a abertura do Canal do Suez (1869), colocando-a no centro do eixo que, atravessando o Mediterrâneo (Gibraltar-Malta-Alexandria), fazia parte das grandes rotas que ligavam a Grã-Bretanha às suas colónias da Ásia (como a Índia ou a Malásia) e da Oceânia (Austrália e Nova Zelândia). Tornou-se uma colónia britânica razoavelmente próspera, embora a sua enorme densidade populacional (150.000 habitantes em 316 Km2 em 1875 – 475 hab./Km2!*) a fizesse completamente dependente dos recursos do exterior.
Na única vez em que a supremacia britânica no Mediterrâneo foi seriamente desafiada, nos 150 anos que durou o seu domínio sobre Malta (entre 1940 e 43), essas forças e fraquezas de Malta tornaram-se evidentes, com a capacidade que a sua localização conferia para que os britânicos atrapalhassem as ligações marítimas entre a Europa e os destacamentos italianos e alemães que lutavam contra si no Norte de África, ao mesmo tempo que os expunha aos problemas de subsistência (nomeadamente alimentar) da própria população maltesa, incapaz de se auto-sustentar.
Pelo seu estoicismo, a população da ilha veio a ser condecorada com a mais alta distinção civil britânica, a Cruz Jorge** (George Cross), a imagem da qual faz hoje parte da bandeira nacional maltesa. Mas os tempos do Império Britânico estavam a chegar ao fim e, sem a presença britânica, Malta teria de voltar ao velho jogo de equilíbrios entre as influências do Norte europeu e as do Sul africano. Já fora assim quando Cartago e Roma se disputavam, ou quando os árabes haviam conquistado as ilhas em 870, para dali serem desalojados pelos normandos da Sicília em 1091.
A política maltesa do pós-guerra, muito inspirada na da metrópole, era bipartidária, com um Partido Nacionalista à direita, favorecendo as influências do Norte, e um Partido Trabalhista à esquerda, que encarava de forma muito mais benigna as influências do Sul. Tendo obtido a independência em 1964, sob a égide do primeiro partido, as eleições maltesas de1971 deram a vitória ao segundo, sob a direcção de um líder com o improvável nome de Dom Mintoff, que, de imediato, começou a prosseguir uma política externa muito mais neutral entre os blocos em confronto.
Entre outros gestos significativos, Mintoff pediu aos britânicos que evacuassem a sua base naval em Malta, transformou o país numa República e aproximou-se da Líbia e da União Soviética. Ao tempo, na minha simplicidade ingénua para as análises políticas internacionais, para mais no quadro dominante da Guerra-Fria daquela altura, onde os russos eram sempre maus e tinham nomes com aquela terminação (Miguel Strogoff, do romance de Júlio Verne, por exemplo...), não me pareceu nada descabido equacionar a hipótese que Mintoff fosse um agente russo infiltrado…
* Actualmente a população atinge os 400.000 habitantes e uma densidade de 1.265 Hab./Km2.
** E não Cruz de São Jorge, como muitas vezes erradamente se refere, que era uma condecoração da Rússia Imperial, recentemente restaurada por Vladimir Putin. O Jorge em questão da condecoração britânica é o próprio rei que a criou e atribuiu, Jorge VI (1936-1952).
Malta é um daqueles países que até está judiciosamente localizado. Olhe-se apenas para o mapa do Mediterrâneo central (acima) e dispensam-se grandes explicações sobre a sua importância estratégica. Depois de quase 270 anos de administração pela Ordem dos Hospitalários (também designada por Ordem de Malta) como bastião contra a ameaça naval turca, foi durante o período das guerras napoleónicas que a Grã-Bretanha se apoderou do arquipélago que entretanto havia caído sob controlo francês (1800). A sua localização e os seus bons portos fizeram de Malta a sede natural da frota britânica do Mediterrâneo.
A importância de Malta aumentou ainda mais com a abertura do Canal do Suez (1869), colocando-a no centro do eixo que, atravessando o Mediterrâneo (Gibraltar-Malta-Alexandria), fazia parte das grandes rotas que ligavam a Grã-Bretanha às suas colónias da Ásia (como a Índia ou a Malásia) e da Oceânia (Austrália e Nova Zelândia). Tornou-se uma colónia britânica razoavelmente próspera, embora a sua enorme densidade populacional (150.000 habitantes em 316 Km2 em 1875 – 475 hab./Km2!*) a fizesse completamente dependente dos recursos do exterior.
Na única vez em que a supremacia britânica no Mediterrâneo foi seriamente desafiada, nos 150 anos que durou o seu domínio sobre Malta (entre 1940 e 43), essas forças e fraquezas de Malta tornaram-se evidentes, com a capacidade que a sua localização conferia para que os britânicos atrapalhassem as ligações marítimas entre a Europa e os destacamentos italianos e alemães que lutavam contra si no Norte de África, ao mesmo tempo que os expunha aos problemas de subsistência (nomeadamente alimentar) da própria população maltesa, incapaz de se auto-sustentar.
Pelo seu estoicismo, a população da ilha veio a ser condecorada com a mais alta distinção civil britânica, a Cruz Jorge** (George Cross), a imagem da qual faz hoje parte da bandeira nacional maltesa. Mas os tempos do Império Britânico estavam a chegar ao fim e, sem a presença britânica, Malta teria de voltar ao velho jogo de equilíbrios entre as influências do Norte europeu e as do Sul africano. Já fora assim quando Cartago e Roma se disputavam, ou quando os árabes haviam conquistado as ilhas em 870, para dali serem desalojados pelos normandos da Sicília em 1091.
A política maltesa do pós-guerra, muito inspirada na da metrópole, era bipartidária, com um Partido Nacionalista à direita, favorecendo as influências do Norte, e um Partido Trabalhista à esquerda, que encarava de forma muito mais benigna as influências do Sul. Tendo obtido a independência em 1964, sob a égide do primeiro partido, as eleições maltesas de1971 deram a vitória ao segundo, sob a direcção de um líder com o improvável nome de Dom Mintoff, que, de imediato, começou a prosseguir uma política externa muito mais neutral entre os blocos em confronto.
Entre outros gestos significativos, Mintoff pediu aos britânicos que evacuassem a sua base naval em Malta, transformou o país numa República e aproximou-se da Líbia e da União Soviética. Ao tempo, na minha simplicidade ingénua para as análises políticas internacionais, para mais no quadro dominante da Guerra-Fria daquela altura, onde os russos eram sempre maus e tinham nomes com aquela terminação (Miguel Strogoff, do romance de Júlio Verne, por exemplo...), não me pareceu nada descabido equacionar a hipótese que Mintoff fosse um agente russo infiltrado…
* Actualmente a população atinge os 400.000 habitantes e uma densidade de 1.265 Hab./Km2.
** E não Cruz de São Jorge, como muitas vezes erradamente se refere, que era uma condecoração da Rússia Imperial, recentemente restaurada por Vladimir Putin. O Jorge em questão da condecoração britânica é o próprio rei que a criou e atribuiu, Jorge VI (1936-1952).
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