01 março 2007

O FILHO DO EX-ALUNO E O ALUNO HONORÁRIO

Estive para baptizar este poste de Zacatrás* por Carmona Rodrigues, mas achei o episódio a que se refere como um episódio menor na avalancha das inúmeras ocasiões em que a elasticidade da nossa imaginação cortês cria vínculos fortes onde os há, mas muito ténues. O resultado torna-se objectivamente ridículo, a que é preciso adicionar ainda a cumplicidade da assistência. O episódio em foco, envolvendo Carmona Rodrigues, teve a ver com o lançamento de um livro chamado Quem é quem, a respeito dos ex-alunos do Colégio Militar de que um exemplar de honra foi oferecido, em cerimónia apropriada, ao presidente da Câmara de Lisboa.

Agora vem a pergunta: o que é que Carmona Rodrigues tem a ver, pessoalmente, com o Colégio Militar? A associação que foi invocada foi a que o seu pai tinha sido ex-aluno… É alguma coisa, mas note-se que o ex-aluno não foi Carmona Rodrigues, nem sequer qualquer dos seus filhos (se os tiver), nem se sabe se o seu pai, como ex-aluno, considerou a hipótese de pôr o filho a frequentar a instituição, ou se este último terá porventura chumbado nos testes de admissão… Assim, como saiu, saiu ridículo e ainda bem que Odivelas não pertence ao concelho de Lisboa senão, em cerimónia semelhante, teria de ser a tia de Carmona Rodrigues a ter frequentado o Instituto…

Registe-se como esta parece ser uma prática antiga no Colégio Militar. Se bem me lembro, no seu Museu está em exposição uma colecção de medalhas de aplicação literária e aptidão militar e física que foram oferecidas na década de 30 (suponho) ao Doutor Oliveira Salazar, noutra cerimónia solene, imagino eu. Ora, independentemente de qualquer divergência sobre as qualidades e defeitos de Salazar, tudo o que sabemos da sua formação de juventude e do seu perfil o afasta totalmente da identificação com a instituição. Mesmo que por ela tenham passado pessoas de perfil tão diferente quanto os Marechais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes.

Não se extraia do que ficou escrito acima alguma sugestão a que se desfaçam os gestos do passado. A nomeação do príncipe herdeiro Luís Filipe como comandante de batalhão honorário do Real Colégio Militar estava completamente adequada ao espírito da sociedade da época. Mas também é importante que se evolua com a época. Por exemplo, aquela invocação que julgo ter sido feita a despropósito com Carmona Rodrigues fá-la-ia todo com Fernando Seara, presidente da Câmara de Sintra (um ex-aluno - já repararam na cagança* que Seara mostra nas cerimónias em que precisa de estar em sentido? São gestos que não se desaprendem…).

Também os gestos manteigueiros* como a nomeação para aluno honorário e a condecoração de Salazar com medalhas de mérito escolar têm que ser vistos nas circunstâncias da época em que foram atribuídas. Só que, ao contrário de Luís Filipe e mesmo pelos padrões que julgo terem sido os daquela época, confesso que me custa a aceitar, apesar da sua indiscutível craveira intelectual, imaginar uma medalha de aptidão militar e física no peito de Salazar, que, não sei se sabia montar, mas suspeito que não sabia distinguir um florete de um sabre e tenho a garantia que nunca cumpriu o serviço militar…
* Que os não iniciados me desculpem a inserção de alguns vocábulos mais castiços, mas creio que se depreende qual o seu sentido.

1 comentário:

  1. Isso só pode sair de pessoal da velha escola:
    “- Não foste tu, foi o teu pai...” e tudo fica justificado!

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