14 março 2007

A CARTA DE CONDUÇÃO DE MANTORRAS

Depois de engolida a indignação inicial, é perfeitamente legítimo e expectável que os angolanos tenham respondido com a atitude simétrica, ao não reconhecimento por parte das autoridades portuguesas das cartas de condução emitidas pelas suas homólogas de Angola. De certa forma, até se torna lisonjeiro que os angolanos só se tenham apercebido da situação e desencadeado o consequente processo de retaliações depois de um incidente trivial envolvendo um jogador de futebol angolano a jogar em Portugal.

É sinal que, embora pareça não haver nenhum funcionário na Embaixada de Lisboa com a responsabilidade de acompanhar a legislação portuguesa que afecte os seus nacionais, há altos responsáveis angolanos a ler regularmente a imprensa (desportiva ou outra…) que se publica em Portugal, o que os levou a tomar aquela atitude. Enfim, com as respectivas diplomacias chamadas a resolver o assunto, é previsível que acertem uma solução que seja do agrado das partes.

Para onde começa a faltar a paciência é para aturar alguns comentários colaterais que estes incidentes normalmente desencadeiam, sobretudo as já vetustas evocações da exploração colonial. Tendo Angola sido o caso do colonialismo português em que essa alegação faz mais sentido, pela abundância dos recursos primários (em contraste com a paupérrima Guiné-Bissau, onde ela é ridícula...), convém não esquecer, para benefício da sanidade das acusações, que já há mais de 30 anos que Angola é um país independente.
E 30 anos já são um período de tempo suficiente para que os angolanos possam ser avaliados sobre a sociedade que tiveram oportunidade de construir a partir da vantagem comparativa dos recursos naturais (sobretudo petróleo e diamantes) de que Angola dispõe, conjugada com a direcção de um partido que se reclamava pelo socialismo e pela ideologia marxista-leninista, o MPLA-PT, que se manteve (e mantêm) sempre no poder ao longo de todo esse período, depois de vencidas as batalhas militares e eleitorais contra a UNITA.

Comparando Angola com outros países africanos lusófonos, é visível a riqueza angolana em matérias-primas, que faz com que o rendimento médio de um angolano (4.300 dólares em 2006) seja quase o triplo do de um moçambicano (1.500 dólares) e quase o quíntuplo de quem vive na Guiné-Bissau (900 dólares). Em contrapartida, e quanto à redistribuição dessa riqueza, a percentagem de população que vive com rendimentos abaixo do limiar da pobreza - um indicador comum usado pelas organizações internacionais - é a mesma tanto em Angola como em Moçambique: 70%. Proporcionalmente, há tantos pobres num país como noutro, os ricos angolanos é que são muito mais ricos do que os moçambicanos...

Recentemente, o Ghana, que foi o primeiro país a tornar-se independente na África Subsahariana depois da Segunda Guerra Mundial, sem ter de travar guerras de libertação nem guerras civis, celebrou os 50 anos de independência (5 de Março de 1957). Naquela época era o produtor de ⅓ de todo o cacau, actualmente produz apenas cerca de ⅛ da produção mundial, e 16% do PIB e 73% do Orçamento do Estado ganês correspondem aos valores das ajudas externas que o país recebe anualmente. Felizmente que Angola não estava só dependente do café (era o 4º produtor mundial no início dos anos 70...) para a sua prosperidade depois da independência…
Concordo que até haverá fundamentação nas razões de queixa expostas, por exemplo, nesta caixa de comentários sobre o tratamento sobranceiro que os portugueses assumem quando lidam com angolanos (ou com moçambicanos ou guineenses, etc.). Mas, passe-se a incorrecção política da pergunta, o que se tem estado a celebrar nos consecutivos aniversários (11 de Novembro) da Independência angolana, quando se continuam a manter as enormes diferenças de distribuição da riqueza como as da época colonial? Será a cor da pele dos que são agora muito ricos? E o que é que os tugas têm a ver com isso?...

O último cartaz é mais uma daquelas preciosidades do TóColante.

1 comentário:

  1. Creio que se trata de uma pandemia.
    Quando há muito mas, a dividir por muitos, é pouco. Quando se divide por poucos rende muito mais... e não se trata (neste caso!) de um dos muitos malefícios da “colonização”: é global!

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