03 julho 2023

O FIASCO DA CONFERÊNCIA ECONÓMICA DE LONDRES DE 1933, ENTRETANTO ESQUECIDA

3 de Julho de 1933. Desde 12 de Junho daquele ano que estava a decorrer uma «magna» reunião em Londres, reunindo 66 países (praticamente todos os que existiam à época), com a intenção de procurar encontrar soluções concertadas a nível internacional para pôr fim à Grande Depressão. A ideia da dita reunião aparecera em 1931, e a sua agenda fora acertada numa reunião prévia, ocorrida em Genebra em 1932, reunindo as grandes potências. Só que, porque todas as outras lhe deviam dinheiro, havia uma das potências que era maior do que as grandes: os Estados Unidos. Acontece que, entre a fixação da agenda de trabalhos e o início desta «magna» reunião, o poder mudara nos Estados Unidos: em Março de 1933 o presidente Roosevelt e a sua administração democrática tomara posse. E em Abril, uma das suas primeiras decisões importantes fora que os Estados Unidos abandonassem o padrão-ouro, um dos elementos de referência de então para a fixação das taxas de câmbio entre moedas. Esta questão da fixação das taxas de câmbio das moedas principais constituía precisamente o primeiro ponto e o mais importante da agenda da reunião. Um ponto que Franklin Roosevelt não estava disposto a discutir com as restantes potências, agora que os Estados Unidos haviam abandonado o padrão-ouro. A intenção dos americanos foi, por causa disso e desde o princípio, sabotar a reunião. A composição da delegação dos Estados Unidos era, desde logo, uma mostra dessa intenção. Encabeçava-a Cordell Hull (1871-1945), o recém empossado secretário de Estado (como seria de esperar), mas o resto do elenco era uma caixinha de surpresas: incluía James M. Cox (1870-1945), antigo governador do Ohio e candidato democrático derrotado à presidência em 1920; o senador republicano pelo Michigan James Couzens (1872-1936), um proteccionista; o senador democrata pelo Nevada Key Pittman (1872-1940), um acérrimo defensor da remonetarização da prata, de que o seu estado era um grande produtor; e o congressista democrata pelo Tennessee Samuel D. McReynolds (1872-1939), em representação da Câmara de Representantes.
Uma delegação inatacável do ponto de vista da representatividade, mas nenhum deles tinha experiência prévia de uma conferência internacional, a maioria não sabia nada ou sabia muito pouco sobre assuntos económicos, muito menos sobre economia e finanças internacionais, e predominavam os isolacionistas. A ideia da escolha de uma tal equipa de trabalho parecia a de erguer uma parede de obtusidade aos negociadores especializados das partes contrárias. A única surpresa foram as três semanas que se arrastaram até que se concluísse pela «intransigência» de Roosevelt - atitude que é constatada nestes artigos surpreendentemente bem desenvolvidos da edição do Diário de Lisboa de 3 de Julho. Diga-se que os membros da delegação americana se destacaram por outros aspectos que não a propositada inabilidade negocial. Acima temos a fotografia do senador Key Pittman do Nevada, que se celebrizou então por diversos episódios. Como o de ter comparecido na recepção do Palácio de Windsor de fato e gabardina vestida e usando um notórios sapatos amarelos de ponta arredondada; melhor, quando apresentado ao rei Jorge V e à rainha Mary saudou-os com um bastante informal: «Rei, estou contente por o conhecer. E a si também rainha» (King, I'm glad to meet you. And you too queen) Mas as suas proezas eram ainda mais interessantes longe de suas majestades britânicas. Bebedor compulsivo, uma noite foi descoberto pelos empregados do Claridge's (o hotel de luxo londrino onde os membros da delegação estavam hospedados) sentado totalmente nu na pia da despensa do hotel tentando passar por uma estátua numa fonte. Noutra noite de bebedeira, o divertimento deu-lhe para pegar numa pistola e partir a tiro as lâmpadas dos candeeiros públicos de uma das ruas da vizinhança. Mesmo bêbado e como mascador de tabaco, o senador adquiriu uma reputação adicional por conseguir cuspir e acertar na escarradeira a respeitáveis distâncias. As habilidades do senador estão esquecidas. Os resultados da conferência também. Num blogue, reconheço que as primeiras são muito mais atractivas para o leitor.

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