(Republicação)
5 de Julho de 1943. Às 02H00 da madrugada (hora alemã) começava a Batalha do Kursk. Os sucessos das ofensivas soviéticas e dos contra-ataques alemães na Frente Leste nos primeiros meses de 1943 haviam resultado na formação de um grande saliente à volta da cidade de Kursk, entre Orel na Rússia e Kharkov na Ucrânia (ambas sob controle alemão). A ideia natural era pensar em fechá-lo, aprisionando no processo as unidades soviéticas que o guarneciam. Adolf Hitler já havia por uma vez adiado a Operação Zitadelle (fora assim que se baptizara o plano para fechar esse saliente com um ataque concêntrico em forma de pinça) em prol de uma proposta alternativa do OKW para a constituição de uma fortíssima reserva que acorresse (e esmagasse) as iniciativas soviéticas desse Verão, mas a 18 de Junho Hitler decidira-se finalmente a mudar de planos, assumir a iniciativa na Frente Leste e avançar com a Operação. Os objectivos adicionais, para além da enorme vitória táctica que constituiria mais este cerco de centenas de milhares de soldados soviéticos, seriam os de tornar a demonstrar a inequívoca superioridade alemã, que ficara tão abalada com os acontecimentos dos últimos meses em Stalinegrado, e sobretudo aproveitar a ocasião para desfazer o enorme impasse militar em que caíra a Frente Leste no seu conjunto. A execução da Operação parecia ser, de facto e só por si, a demonstração da força da Wehrmacht: 900.000 homens, 2.700 tanques e peças autopropulsionadas e 1.800 aviões foram reunidos para ela, embora isso representasse a concentração de 70% dos blindados e 65% da aviação atribuída a toda a Frente Leste. Embora o Kursk seja comumente referenciada como uma grande batalha de tanques, na extracção das lições que ela contém, percebe-se que ela foi mais um sucesso das restantes armas combinadas (infantaria, artilharia e engenharia) frente à cavalaria (blindados) cuja reputação ofensiva atingira o zénite com as campanhas de 1939 e 40. De facto, a reacção soviética à ofensiva alemã que há 75 anos começava - cuja data e detalhes já era conhecidos de antemão pelos soviéticos através das redes de espionagem - foi a de dispor uma densíssima rede defensiva (bunkers, infantaria equipada com armamento antitanque e batarias de artilharia com alvos pré-referenciados) que que levou as unidades blindadas alemãs à usura rápida e sem alcançarem quaisquer resultados substantivos: a 10 de Julho, o braço da tenaz do Sul, o 4.º Exército Panzer de Hermann Hoth, avançara uns míseros 32 km, e o seu homólogo do Norte, o 9.º Exército de Walther Model uns ainda mais desapontantes 13 km. Porém, os soviéticos aguardaram ainda mais dois dias (12 de Julho) até empenharem maciçamente as suas unidades blindadas. O embate entre os Tigers e os Panthers do 4.º Exército Panzer de Hoth e os T-34 e os T-70 do 5.º Exército Blindado da Guarda de Pavel Rotmistrov é considerado uma das maiores batalhas de blindados de toda a Segunda Guerra Mundial: a batalha de Prokhorovka. Como acontecera com o duque de Wellington na celebradíssima batalha de Waterloo, o grande feito de armas de Rotmistrov foi apenas o de não se deixar derrotar pelo inimigo que, esse sim, estava obrigado a vencer. Porém, os heróis da História têm uma génese por vezes bizarra: se muitos, senão quase todos terão ouvido falar de Wellington, Rotmistrov é um perfeito desconhecido, mesmo para os russos. Não ajudou à sua notoriedade na Rússia que a sua carreira militar tivesse acabado subitamente no ano seguinte, em consequência da forma como ele se conduzira durante a Operação Bagration. E não ajudou à sua notoriedade fora da Rússia que o motivo invocado pela Stavka para o seu afastamento fosse o excesso de baixas suportadas pelas unidades sob o seu comando. É que durante a Guerra-Fria, no Ocidente, tornou-se um axioma considerar que os generais soviéticos não se preocuparam com o destino dos seus homens como o faziam os seus aliados anglo-saxónicos e os seus inimigos alemães. Ora aquilo que acontecera com Rotmistrov era um desmentido frontal desse axioma. Embora não se sabendo na altura, para o desfecho da Guerra o Kursk foi a última ocasião em que a Wehrmacht assumiu a iniciativa militar de uma forma significativa. Adolf Hitler tivera dois anos completos para alcançar a vitória no Leste. A partir daí limitar-se-ia a reagir defensivamente às iniciativas soviéticas.
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