9 de Janeiro de 1522. A atmosfera de Roma era fria em mais do que um sentido. As finanças papais encontravam-se em tal estado que as velas utilizadas para o funeral do Papa Leão X, que falecera em 1 de Dezembro de 1521, haviam sido as sobras do funeral de um outro cardeal que se realizara na véspera e as razões para tal expediente não se deveram à modéstia cristã. O sentimento popular dos romanos, cuja cidade vivia de acordo com a prosperidade da Cúria, correspondia a essa escassez de fundos: os 39 cardeais que se haviam reunido para o conclave, a 28 de Dezembro, precisaram da protecção de um guarda costas. Estava-se no pino do Inverno, as condições dos cardeais encerrados até à conclusão do conclave eram deploráveis e, depois de começar por serem parcas, as rações alimentares foram ainda mais reduzidas depois de seis dias de votações infrutíferas, causadas por um impasse entre facções. Foi por essa altura que entre o cardeais se equacionou uma recomendação do jovem imperador Carlos V, que sugerira vivamente um cardeal que até nem estava presente no conclave e cujo maior predicado era ter sido o seu tutor, um holandês de Utrecht chamado Adriaan Floriszoon Boeyens. Era mais um académico e um diplomata do que propriamente um prelado (só fora ordenado padre aos 30 anos). Em Roma era só conhecido de reputação e por isso não gerava aqueles anti-corpos que caracterizam a política italiana. A reputação era boa e havia a recomendação de Carlos V. Por outro lado, porque ia a caminho de completar 63 anos (o que era uma idade respeitável no século XVI), não seria de esperar dele um pontificado muito longo. Um excelente compromisso e a melhor hipótese dos cardeais escaparem às condições insalubres do Vaticano para regressarem aos respectivos palácios, onde estariam decerto melhor agasalhados e alimentados. Ao fim de quatorze dias assaz incómodos e por uma votação quase unânime, Adriano foi eleito papa, há precisamente 496 anos. Foi um pontificado medíocre que não veio a durar muito tempo.
Começando por surpreender ao decidir manter o seu nome de baptismo como nome pontifical, Adriano VI começou a concitar as antipatias dos romanos ao demorar sete meses a chegar a Roma. Invocando a existência de um surto de peste em Roma e chegando de barco vindo de Espanha, foi só em Agosto que o novo pontífice chegou finalmente à cidade de que fora eleito bispo. As cerimónias da coroação de Adriano VI tiveram finalmente lugar na basílica de São Pedro a 31 de Agosto de 1522. O novo papa não só não falava o idioma dos romanos como o latim com que celebrava a missa era incompreensível para eles, e, em poucos meses, conseguiu incompatibilizar-se com todos: com a massa dos fiéis romanos, que o consideravam um estrangeiro bronco; com a cúria, cujos membros ficaram furiosos quando ele se recusou a distribuir benefícios como era da tradição dos seus antecessores; com o seu antigo discípulo Carlos V, ao conduzir-se de forma bem mais independente do que o imperador contaria; e até mesmo com Francisco I de França, o grande rival de Carlos V, e para quem a sua conduta inicial fora uma agradável surpresa, mas isso só até à repressão que exerceu sobre os cardeais pertencentes à faccção pró-francesa. Adriano VI mostrava-se de uma austeridade despropositada para a conjuntura. Vivia com a sobriedade de um monge, despendendo apenas uma coroa por dia em alimentação, servido apenas por uma velha governanta flamenga que cozinhava e limpava, comportamentos que não eram uma virtude na Roma do século XVI, antes um defeito. A culminar toda essa temperança, totalmente incompreendida pelos meridionais, Adriano VI caracterizava-se por um desinteresse manifesto pela arte e arquitectura renascentista: atribuíram-lhe a intenção de mandar caiar a Capela Sistina e de lançar o desenterrado Laocoonte (abaixo) ao Tibre, por se tratar de «uma efígie de ídolos pagãos». Enfim, parecia aquela relação de (falta de) empatia que ainda o ano passado vimos entre Jeroen Dijsselbloem e os "europeus do Sul". Terminou com a morte do papa em 14 de Setembro de 1523 - vinte meses de pontificado, dos quais apenas treze presenciais. Tão má terá sido a impressão deixada por Adriano VI que haverá que aguardar 455 anos pela eleição de um outro papa que não fosse italiano, o polaco João Paulo II.
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