Disse-se num poste mais abaixo que a predominante da Guerra do Vietname é o seu aspecto de Guerra Civil de 30 anos (1945-1975). Um dos lados – o que veio a vencer – foi apoiado materialmente pela União Soviética e pela China, o outro foi (muito mais) apoiado em material e também em unidades de combate pela França e, posteriormente, pelos Estados Unidos. Porém, tornou-se uma constante da política externa norte-americana após 1945 não se meterem sozinhos nessas embrulhadas: procuram sempre trazer uns amigos e o caso da Guerra do Vietname não foi excepção.
O tempo pode ter feito esquecer que, ao lado dos norte-americanos, unidades militares de terceiros países estiveram envolvidos no conflito vietnamita conjuntamente com eles: australianos (acima, o desembarque de um destacamento deles num aeroporto), sul-coreanos e neozelandeses também enviaram unidades de combate para o Vietname, embora com uma participação muito inferior à dos protagonistas principais. O caso dos sul-coreanos é especial, porque a sua participação resultou mais da insistência dos próprios do que do interesse dos norte-americanos – ou dos sul-vietnamitas…
O presidente sul-coreano de então, Park Chung-Hee (1917-79), registava a escalada na guerra no Vietname e apercebia-se que o crescente envolvimento militar dos Estados Unidos ali tinha como consequência directa o enfraquecimento do dispositivo militar que os mesmos Estados Unidos tinham deixado no seu próprio país, na sequência da Guerra da Coreia (1950-53). Enviar tropas sul-coreanas para o Vietname era prova do engajamento do seu país na luta anti-comunista mas também retirava argumentos aos norte-americanos para que eles retirassem as suas tropas da Coreia…
O primeiro contingente de 140 militares sul-coreanos, onde se destacava um hospital de campanha, chegou ao Vietname ainda em Setembro de 1964. Seguiram-se alguns destacamentos adicionais de unidades não combatentes, de Engenharia e de Logística, que foram enviados a partir de Fevereiro de 1965 mas foi só depois de um pedido formal do presidente sul-vietnamita em Junho, que em Setembro desse ano se assistiu ao envolvimento de unidades de combate sul-coreanas no conflito sul-vietnamita – a divisão Tigre do exército e a divisão Dragão Azul dos fuzileiros.
Ao longo do envolvimento, que se estendeu por 9 anos (1964-73), os efectivos sul-coreanos presentes no Vietname do Sul nunca terão ultrapassado simultaneamente os 47.000 soldados, mas a rotação natural das tropas fez com que, até Março de 1973, tivesse havido 313.000 militares sul-coreanos a cumprirem comissões de serviço no Vietname. No fim, 4.600 haviam morrido e 17.000 tinham sido feridos, mas os sul-coreanos costumam sempre confrontar esses números com os 41.000 guerrilheiros vietcongs e soldados norte-vietnamitas que reclamam ter abatido.
A zona de intervenção que ficou atribuída aos sul-coreanos localizava-se nas províncias litorais de Binh Dinh, Phu Yen e Khanh Hoa (assinaladas a verde no mapa acima), com uma população total rondando os 1,7 milhões de habitantes em 16.300 km². Mas é preciso ter em conta as condições específicas que limitavam as liberdades tácticas dos militares sul-coreanos: por um lado o respeito, pelo menos formal, pelas directivas das autoridades civis sul vietnamitas; por outro, o respeito, esse já real, pelas decisões das autoridades militares norte americanas que eram as que conduziam a guerra.
É tradicional que os parceiros menores de uma aliança militar se gostem de gabar da maneira distinta como fazem a guerra quando comparados com o aliado principal¹. Que os sul-coreanos se gabem disso não será surpresa. Para mais, quando nas trocas de galhardetes dos encontros entre generais aliados (acima) nunca será difícil encontrar referências rasgadamente elogiosas ao desempenho das tropas do parceiro. Porém, o desempenho das unidades sul-coreanas na sua actividade contra-subversiva na sua zona de intervenção foi, apesar de muito bem sucedida, bastante mais complexa...
O soldado sul-coreano comum estava perfeitamente doutrinado (como provavelmente mais nenhum outro no Mundo...) para as circunstâncias envolventes de uma guerra civil que fora amplificada para uma confrontação global no quadro da Guerra-Fria: o mesmo acontecera 15 anos antes no seu próprio país. O inimigo comunista não era para ele uma abstracção, os elementos infiltrados também não e os sofrimentos da população civil do Vietname deviam-no deixar não solidário, mas perfeitamente indiferente – na sua própria família podiam-se ter desenrolado episódios muito semelhantes.
De início, os guerrilheiros vietcongs não se aperceberam dessa especificidade sul-coreana e adoptaram o mesmo tipo de guerrilha que praticavam com as tropas norte-americanas e do ARVN. A resposta dos sul-coreanos foi uma surpresa completa para eles pois aquele inimigo não mostrava quaisquer inibições em aniquilar totalmente as aldeias tidas como hostis. Durante os anos iniciais sucederam-se os massacres de aldeias inteiras: Go Dai e Tay Vinh (Fevereiro de 1966), Binh Tai e Dien Nien (Outubro de 1966), Binh Hoa (Dezembro de 1966), Ha My e Phong Nhi (Fevereiro de 1968).
Ao contrário do que acontecia com as opiniões públicas ocidentais, a da Coreia do Sul parecia manter-se impermeável à conduta sangrenta dos seus soldados no Vietname e eles pareciam poder continuar a ripostar indefinidamente da mesma forma sangrenta. E, como a superioridade militar no terreno pertencia às suas unidades, foram os norte-vietnamitas e os vietcongs a terem de recuar tacticamente, reduzindo a sua actividade militar naquelas três províncias a um mínimo de subsistência: afinal, pragmaticamente, a região representava apenas cerca de 10% do Vietname do Sul.
A actividade guerrilheira diminuiu até aos valores irrisórios quando comparada com as outras províncias do Vietname do Sul, os sul-coreanos foram cumprimentados pelos norte-americanos e tornaram-se temidos pelos vietnamitas dos dois lados. Porém, afirmar-se que os sul-coreanos terão ganho a sua guerra está errado, a começar pelo facto de uma guerra não se ganhar parcelarmente, mas este caso torna evidente que, numa guerra assimétrica, um exército convencional motivado, quando não perturbado na sua conduta pela sua própria opinião pública, é muito difícil de derrotar por um exército irregular.
¹ Os britânicos, por exemplo, estão sempre a fazê-lo em relação aos franceses, quando o tema é a Primeira Guerra Mundial e em relação aos norte-americanos quando se trata da Segunda.
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