24 março 2014

MAIS DO QUE UMA CONTRADIÇÃO, UMA VERGONHA

A vergonha, que me desculpem os que aqui chegaram atraídos pela capa do jornal para se indignarem pelos motivos errados, é a própria capa do Libération e não o resultado das eleições municipais francesas de ontem. Se feita livremente – e não há razão para pensar que assim não tenha sido – os resultados da votação expressam apenas a vontade popular dos franceses, por muito que ela nos desagrade. Houve (e ainda há) outros projectos igualmente não democráticos e totalitários como os da Frente Nacional (que afinal obteve apenas 7% dos votos) que suscitaram muito menos indignações: precisamente numa primeira volta destas mesmas eleições municipais, mas em 1977, a lista encabeçada pelo comunista Henri Fizbin surgia no primeiro lugar em Paris com 32% dos votos. Perdeu a segunda volta para Jacques Chirac, mas os comunistas alcançaram nessas eleições as presidências em 72 das 221 cidade francesas (⅓) com mais de 30.000 habitantes – sem que se espalhasse o medo pelas cidades como agora se pode ler no cabeçalho do Libération... Pelos vistos, na interpretação esquerda chic, quanto o povo votava em massa em partidos totalitários não democráticos da sua área não havia problema; agora que o faz nos da direita amedronta-se a si mesmo. Tenham paciência!: quem se quiser indignar com populismos tem que se indignar com todas as suas manifestações e quem se dispuser a acatar a expressão da vontade popular tem que a acatar apesar dela não agradar.

4 comentários:

  1. Em cheio!
    A velha hipocrisia do "coeur à gauche, portefeuille à droite"...

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  2. A intenção de não permitir comentários anónimos é evitar precisamente o tipo de (não) identificação que este comentador empregou.

    Não é apagado apenas por razões pedagógicas. Comentários recorrendo a este mesmo género de expediente sê-lo-ão de futuro.

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  3. Relativismo em relação a totalitarismos de sinal contrário é muito frequente, mas talvez não em 1977. Nessa altura o PCF já tinha aderido ao eurocomunismo e largado a velha canga estalinista, além de que nessa lista de esquerda também entrava o PSF de Miterrand. Não ganharam Paris em 1977 mas ganharam a França quatro anos depois.

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  4. O João Pedro já provou neste blogue a precisão da sua memória, corrigindo-me nomeadamente em alguns aspectos em que eu não fora suficientemente preciso - estou-me a lembrar concretamente do caso do número de votos que Francisco Louçã precisava para ser eleito em 1991, quando os foi pedinchar a Dona Maria, uma localidade de Sintra que boicotara o acto eleitoral.

    Mas tenho que lhe dizer que não recordo aqueles anos assim como os descreve. O eurocomunismo era um fenómeno que se vivia de forma diferente conforme o partido comunista que o professava: convictamente no caso italiano de Enrico Berlinguer, é verdade, mas de forma hesitante no espanhol de Santiago Carillo e mesmo quase contrariado no francês de Georges Marchais. A rivalidade taco a taco destes últimos com o PSF fazia com eles tivessem uma publicidade muito negativa junto da esquerda verdadeiramente democrática.

    A história da União da Esquerda em França não segue na linha recta de 1977 para 1981 da forma como a traça, João Pedro. Comunistas e socialistas zangaram-se e eles perderam as eleições legislativas de Março de 1978. Só a eleição de Mitterrand em 1981 os tornou a juntar, mas aí com o ascendente eleitoral e político do PSF sobre o PCF claramente estabelecido.

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